Desmistificando a lenda de uma alma imortal

31 de agosto de 2013

Estudo completo sobre o significado de Hades e Sheol


Antes da mitologia pagã se infiltrar dentro dos moldes do Cristianismo, Sheol era puramente sepultura. É claro que a sua aplicação varia de passagem a passagem, mas nunca no sentido mitológico de “habitação de espíritos”. O Sheol bíblico é um local de silêncio, e não de gritaria do inferno:

Os mortos, que descem à terra do silêncio, não louvam a Deus, o Senhor” (cf. Salmos 115:17)

“Se o Senhor não fora em meu auxílio, já a minha alma habitaria no lugar do silêncio(cf. Salmos 94:17)

Mais claro ainda é o Salmo 94:17, que diz de forma enfática que o que habita no silêncio é a própria alma, derrubando a toda e qualquer tentativa de vulgarizar o termo como se fosse “silêncio somente para o corpo”. O salmista sabia muito bem que o local para onde iria após a morte seria de silêncio, e não de louvores entre os salvos ou de gritaria do inferno. Convenhamos: qual é o lugar do “silêncio” que o salmista fala? Claramente a sepultura. O local para onde a alma vai após a morte (cf. Sl.94:17), em estado de total inconsciência (cf. Ec.9:5,6; Ec.9:10; Sl.146:4; Sl.6:5; Sl.30:9; Sl.88:12). Outra prova clara de que os hebreus do Antigo Testamento sabiam muito bem que Sheol não era inferno, mas sim sepultura, é Jacó enterrando o seu filho José:

“E levantaram-se todos os seus filhos e todas as suas filhas, para o consolarem; ele, porém, recusou ser consolado, e disse: Na verdade, com choro hei de descer para meu filho até o Sheol. Assim o chorou seu pai” (cf. Gênesis 37:35)

Jacó evidentemente ainda não sabia que na mitologia pagã grega (de imortalidade da alma) o Hades ficava no centro da Terra. Jacó foi cavando até o inferno para enterrar o seu filho José? Não, Jacó sabia muito bem que Sheol era puramente sepultura. Ele sabia disso porque essa era a crença da época, o sentido puro de Sheol.

Ademais, Jacó foi enterrar o corpo morto de José e não uma alma ou espírito incorpóreo. Sheol não é um local de espíritos sem corpo, mas sim de corpos mortos. Sheol é claramente identificado como sendo sepultura, o pó da terra. Outras inúmeras passagens nos trazem um sentido completo de que Sheol não era habitação consciente de espíritos desencarnados. Alguns exemplos, por exemplo, podem ser encontrados em Jó e em Salmos:

Porventura não são poucos os meus dias? Cessa, pois, e deixa-me, para que por um pouco eu tome alento. Antes que eu vá para o lugar de que não voltarei, à terra da escuridão e da sombra da morte” (cf. Jó 10:20,21)

Será que fazes milagres em favor dos mortos? Será que eles se levantam e te louvam? Será que no Sheol ainda se fala do teu amor? Será que naquele lugar de destruição se fala da tua fidelidade? Será que naquela escuridão são vistos os teus milagres? Será que na terra do esquecimento se pode ver a tua fidelidade?” (cf. Salmos 88:10-12).

Como podemos ver, a terra era claramente descrita como uma “escuridão”. Ora, se o Hades é um local de tormento, com fogo e tudo, então o fogo remeteria à luminosidade. O local não seria nem lugar de “escuridão” e muito menos lugar de “densas trevas”. Onde há fogo, há luz. Essa descrição do Sheol bíblico anula a concepção pagã em um Hades cheio de fogo e espíritos vivos ali queimando. O Salmo 49:14 também deixa claro que até as ovelhas vão para o Sheol na morte:

“Como ovelhas são postas na sepultura [Sheol, no original hebraico]...” (cf. Salmos 49:14)

É óbvio que o Sheol é apenas o pó da terra, o destino de todas as criaturas viventes. Jó também nos esclarece que o Sheol bíblico está longe de ser morada de espíritos queimando em meio às chamas, ao dizer que naquele lugar ele “já agora repousaria tranquilo; dormiria, e, então, haveria para mim descanso... Ali, os maus cessam de perturbar, e, ali, repousam os cansados; os prisioneiros também desfrutam sossego, já não ouvem mais os gritos do feitor de escravos(cf. Jó 3:13,17,18). Já não se ouve mais gritos, algo inconcebível caso Jó tivesse a ideia de que aquele local era um lugar de tormento ou de gritos de espíritos em meio às chamas.

No livro de Eclesiastes também lemos:

“Tudo quanto te vier à mão para fazer, faze-o conforme as tuas forças; porque no além [Sheol], para onde tu vais, não há obra, nem projeto, nem conhecimento, nem sabedoria alguma” (cf. Eclesiastes 9:10)

A palavra usada em Eclesiastes 9:10 com relação ao Sheol é que não há chokmah [inteligência, razão]. Morre o homem e o ser racional se vai. Não há inteligência, não há consciência. Biblicamente, Sheol não é, e nunca foi, uma morada de espíritos vivos e conscientes em alegria ou em tormento com fogo. Como se não fosse suficientemente claro o fato de que no Sheol não há obra, nem projeto, nem conhecimento, e nem sabedoria, o salmista afirma que “quem morreu não se lembra de ti; e no Sheol quem te louvará?(cf. Sl.6:5). É evidente que no Sheol não se pode louvar a Deus. Fica a pergunta: que tipo de “espírito” que é salvo e vai para este lugar sem poder louvar a Deus?

O único argumento utilizado pelos imortalistas na tentativa de contradizer o fato bíblico de que o Sheol é o equivalente à sepultura é que os hebreus tinham palavra específica para “sepultura”, que é qéver, então Sheol deve significar algo diferente disso. Isso, por si só, não significa nada, pois no hebraico e no grego há diversas palavras sinônimas, que possuem a mesma aplicação prática. Na própria língua portuguesa, aplicamos exterminar e aniquilar com o mesmo sentido, bem como adversário e antagonista, oposição e antítese, enfermo e doente, desagradar e descontentar, futuro e porvir, enorme e imenso, imparcial e neutro, dentre tantas outras palavras sinônimas. Diante disso, por que Sheol e sepultura não podem ser palavras sinônimas, assim como sepultura e túmulo?

Em segundo lugar, existe uma diferença básica entre Sheol e qéver. Hades ou Sheol não se refere a um único sepulcro (gr.: táfos), nem a um único túmulo (gr.: mnéma), nem a um único túmulo memorial (gr.: mnemeíon), mas à sepultura comum da humanidade, onde os mortos e enterrados não são vistos. Assim, vemos que Sheol é aplicado quando a referência é à sepultura comum da humanidade (em um sentido coletivo), enquanto qéver se refere ao um único sepulcro (em um sentido individual).

Sheol é o sentido mais amplo da sepultura, tendo a mesma aplicação prática desta, pois quem está na sepultura está no Sheol, da mesma forma que quem está em São Paulo está no Brasil. Sheol é o “mundo dos mortos”, não como um local de habitação de espíritos conscientes, mas de almas mortas (cf. Nm.31:19; 35:15,30; Js.20:3,9; Gn.37:21; Dt.19:6,11; Jr.40:14,15; Jz.16:30; Nm.23:10), em local de total silêncio (cf. Sl.115:17; Sl.94:17), e em estado de total inconsciência (cf. Sl.146:4; Sl.6:5; Ec.9:5,6; Ec.9:10).

No caso da revolta de Coré, por exemplo, relatada em Números 16, a terra “abriu a sua boca” e os seus seguidores “desceram vivos ao Sheol” (cf. Nm.16:30; Nm.16:33). Seria extremamente inimaginável pensarmos que a terra abriu a boca para eles caírem até o centro da terra onde ficaria o Sheol, sendo que no meio dessa queda os seus corpos foram transformando-se automaticamente em espíritos desencarnados. A evidência aqui é tão forte que os próprios imortalistas admitem que Sheol aqui significa o pó da terra, corpos físicos sendo esmagados pela força da natureza através da ação divina (embora eles afirmem que este caso é uma “exceção”, o que vemos que não – é a regra!).

Obviamente que o que aconteceu realmente é que a terra abriu a boca e os tragou enquanto ainda estavam vivos, descendo para a “cova” (ou “pó”), o que mostra a total correspondência entre estes dois termos. Mais forte ainda do que isso é o paralelismo evidente que constatamos em Jó: “Descerá ela às portas do Sheol? Desceremos juntos ao pó?” (cf. Jó 17:16). Aqui vemos Jó fazendo o uso de um paralelismo entre o “Sheol” e o “pó”. Paralelismo é a sucessão de partes do discurso que tem entre si uma relação de similaridade de conteúdo; um encadeamento de funções sintáticas idênticas de valores iguais. Jó identifica o Sheol como sendo a mesma coisa que o pó da terra, ao relacionar ambos na mesma sentença expondo tal paralelismo. Após afirmar que ele desceria ao Sheol, afirma categoricamente que este lugar é o pó (cf. Jó 17:16).

Ainda que os escritores do Antigo Testamento falassem constantemente em Sheol, desacreditavam completamente em qualquer estado intermediário. Talvez seja por isso que o apóstolo Paulo, em suas epístolas, não tenha mencionado absolutamente nenhuma vez a palavra “Hades” – o termo já estava paganizado. Aliás, nem Paulo, nem Tiago, nem Pedro, nem Judas, e nem o desconhecido autor de Hebreus: todos pareciam desconhecer tal palavra, não sendo mencionada em parte nenhuma de suas epístolas. Só há uma única razão mais provável para isso, que é exatamente não querer confundir os leitores dualistas com o sentido pagão de Hades, já em vigor em sua época.

O Sheol também é caracterizado como “a terra das trevas e da sombra da morte” (cf. Jó 10:21,22), onde os mortos nunca mais vêem a luz (cf. Sl.49:20; 88:13). É também, como vimos, a “região do silêncio”, e não de gritaria do inferno ou de louvores do Paraíso (cf. Sl. 94:17; 115:17), para onde caminha a alma rumo ao local do silêncio (cf. Sl.94:17). A ideia de descanso ou sono no Sheol fica evidente no livro de Jó que clama em meio a seus tormentos físicos: “Por que não morri eu na madre? Por que não expirei ao sair dela? [...] Porque já agora repousaria tranquilo; dormiria, e então haveria para mim descanso [...] Ali os maus cessam de perturbar, e ali repousam os cansados” (cf. Jó 3:11,13,17).

No Salmo 141:7 também fica mais do que evidente que Sheol é claramente identificado como sepultura: “Ainda que sejam espalhados os meus ossos à boca da sepultura [Sheol] quando se lavra e sulca a terra”. Até os ossos desciam para o Sheol! Se Sheol fosse um local de morada de “espíritos”, o salmista certamente mencionaria isso, mas além negar tal fato ele acentua que são os ossos que descem ao Sheol, o que nos revela que é um local não de “espíritos”, mas de corpos mortos, que jazem na sepultura.

Um dos textos mais claros de que o Sheol é uma referência à sepultura é o de Isaías 14:11, que diz: “Sua soberba foi lançada na sepultura [Sheol], junto com o som das suas liras; sua cama é de larvas, sua coberta, de vermes”. O detalhe é que o texto se refere a ele estar sendo comido de larvas e coberto de vermes, o que nos mostra a total correspondência entre o Sheol e o túmulo, abaixo da terra, e de quem estar lá ser um corpo morto, um cadáver, e não alguma alma ou espírito incorpóreo.

De igual modo, Davi adverte seu filho Salomão com relação a Simei: Mas, agora, não o considere inocente. Você é um homem sábio e saberá o que fazer com ele; apesar de ele já ser idoso, faça-o descer ensangüentado à sepultura [Sheol] (cf. 1Rs.2:9). Novamente, o original hebraico verte a palavra “Sheol”, e não “sepultura” como a maioria dos tradutores preferiram traduzir. Aqui vemos que alguma pessoa pode descer ensanguetada ao Sheol, o que nos mostra claramente que o Sheol não é uma morada de espíritos incorpóreos, mas sim a própria sepultura, para o qual é o destino dos corpos que morreram (espírito não sangra!).

Por isso, até mesmo o sangue das pessoas descem ao Sheol [sepultura]. Isso explica o porquê que em absolutamente nenhuma parte das Escrituras é mencionado espírito-ruach/pneuma no Sheol/Hades. Este nunca foi algum tipo de “morada de espíritos”! Fica mais do que claro que nenhum escritor bíblico pensava em Sheol como uma morada consciente de espíritos desencarnados, como um local de tormento ou suplício. Se fosse esse o sentido primário de Sheol, então veríamos uma infinidade de passagens bíblicas que relatam tal fato, o que não é verdade. Aliás, nem sequer o elemento “fogo” aparece relacionado em qualquer descrição bíblica do Sheol. Que maneira “estranha” de descrever o inferno!

Portanto, vemos que o Sheol bíblico não é um lugar onde Caim está queimando há seis mil anos até hoje, mas sim uma figura da sepultura, o lugar para onde parte a alma após a morte (cf. Is.38:17; Sl.94:17; Jó 33:18; Jó 33:22; Jó 33:28; Jó 33:30). Sheol é sepulcro, pó, profundezas da terra, morte, vazio, túmulo. Jamais foi morada de espíritos em plena atividade e consciência, em regozijo ou em tormento. Nunca é mencionado tormento no Sheol. Na parábola do rico e do Lázaro, o que ocorreu foi uma metaforização e personificação dos personagens (Abraão, Lázaro, o rico) bem como do próprio cenário onde se passava a parábola (Sheol), que não exige meios literais. (e cuja análise completa você pode conferir clicando aqui).

Paz a todos vocês que estão em Cristo.

Por Cristo e por Seu Reino,
Lucas Banzoli (apologiacrista.com)

Extraído de meu livro: “A Lenda da Imortalidade da Alma”


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[1] TABOR, James. What the Bible says about Death, Afterlife, and the Future. Disponível em: <http://clas-pages.uncc.edu/james-tabor/>. Acesso em: 15/08/2013.

[2] HARRIS, Stephen L. Understanding the Bible: the 6th Edition (McGraw Hill 2002) p. 436.
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Significado bíblico de Sheol/Hades, Tártarus e Geena


Um problema crônico que os tradutores bíblicos enfrentam é a tradução para a palavra inferno a partir de palavras gregas. Isso porque a palavra inferno não vem nem do hebraico do AT nem do grego do NT, mas vem do latim infernus, de séculos posteriores. Essa palavra não existe originalmente na Bíblia, cabendo aos tradutores “identificarem” o inferno em palavras gregas tendo por base as suas próprias convicções teológicas. Algumas palavras que foram traduzidas por “inferno” são Sheol, Hades, Tártarus e Geena, sem que o sentido real de algumas dessas palavras fosse realmente o infernus que ficou popularmente conhecido como um local de tormento e castigo[1].

O leitor humilde não tem como descobrir, então, o que é e o que não é inferno, por traduzirem todas essas como “inferno” em diferentes ocasiões, conquanto que tenham significados bem distintos entre si. O significado de Sheol ou Hades difere do Tártaro, que por sua vez difere do Geena. É necessário voltamos aos originais se queremos descobrir qual delas é que está no original, em cada citação distinta. Tendo em vista que, como vimos, os ímpios não se encontram atualmente no inferno, então este é um lugar que está para ser inaugurado. Mas de todas as palavras que vimos acima e que são traduzidas por “inferno” em nossas Bíblias, qual delas seria realmente um local de punição futura aos condenados? É isso o que veremos agora.


Sheol/Hades – Sheol (no hebraico) e Hades (transliterado grego) não era um lugar de tormento, mas era puramente sepultura na concepção hebraica bíblica. Abraão foi enterrar o seu filho do Sheol (cf. Gn.37:35). Os ossos vão para o Sheol (e não “espíritos” – ver Salmo 141:7). O Salmo 49:14 nos indica que até as ovelhas descem para o Sheol na morte. O Sheol é um local de escuridão, e não de fogo que remete à luminosidade (cf. Sl.88:10-12; Jó 10:20,21; Lm.3:6). O Sheol é um lugar de silêncio, e não de gritaria do inferno (cf. Sl.94:17; Sl.115:17). Não são “espíritos incorpóreos” que descem ao Sheol na morte, mas sim a própria pessoa com sangue (cf. 1Rs.2:9).

É lugar de descanso e de repouso, e não de dor ou de tormento (cf. Jó 3:11,13,17). No Sheol, não existe atividade e nem conhecimento ou sabedoria nenhuma (cf. Ec.9:10). Os que lá estão não louvam a Deus (cf. Sl.6:5) e nem sequer tem lembrança dEle (cf. Sl.6:5)! No Sheol não se escutam gritos (cf. Jó 3:18). O Sheol é um local de almas mortas (cf. Nm.31:19; 35:15,30; Js.20:3, 9; Gn.37:21; Dt.19:6,11; Jr.40:14,15; Jz.16:30; Nm.23:10), em estado de total silêncio (cf. Sl.115:17; 94:17), e em plena inconsciência (cf. Sl.146:4; Sl.6:5; Ec.9:5,6; Ec.9:10).

Nunca Sheol é identificado como um local de tormento e jamais é mencionado o elemento “fogo” nele, senão em contexto parabólico como metaforização. Por tudo isso, o Sheol nada mais é do que a figura da sepultura. É por isso que Jó iguala o Sheol com o pó da terra: “Descerá ela às portas do Sheol? Desceremos juntos ao ?” (cf. Jó 17:16). O único lar para o qual Jó esperava ir era a sepultura (ver Jó 17:13).


Tártarus – Este lugar é mencionado apenas uma única vez em toda a Bíblia, e não é para seres humanos, mas para anjos caídos. A Bíblia afirma que o diabo não está preso em algum lugar ou sofrendo atualmente, mas está solto, “nos ares” (cf. Jo.1:7; Jo.2:2; Ef.6:12), e por essa razão está “andando em derredor, bramando como leão, buscando a quem possa tragar” (cf. 1Pe.5:8). Se o diabo estivesse no inferno, se divertindo a custa das outras pessoas que lá estão, isso seria um prêmio para ele. Contudo, a Bíblia afirma que Satanás e seus anjos só serão lançados no lago de fogo após o milênio (cf. Ap.20:10).

A referência ao tártarus se encontra unicamente em 2ª Pedro 2:4, que diz: “Porque se Deus não poupou a anjos quando pecaram, mas lançou-os no inferno [tártarus], e os entregou aos abismos da escuridão, reservando-os para o juízo” (cf. 2Pe.2:4). Sendo que a Bíblia afirma categoricamente que o diabo não está preso, mas solto, então a referência de 2ª Pedro diz respeito a outros anjos caídos, possivelmente os mesmos “filhos de Deus” que pecaram em Gênesis 6:1-4[2]. Embora isso seja razão de debate, o fato é que o tártarus não é um lugar onde almas humanas são lançadas após a morte, mas onde parte dos anjos caídos estão atualmente, em prisão, e não soltos como os demais estão.


Geena – A vista de tudo isso, o que seria então o “inferno” bíblico? O geena. E esse lugar de tormento ainda está para ser inaugurado. Quando Cristo fala do “inferno”, no original é “geena” e se refere não a um inferno existente, mas ao local de castigo que existirá após a ressurreição. Jesus perguntou aos fariseus: “Como vocês escaparão da condenação ao inferno [geena]?” (cf. Mt.23:33). Também disse aos fariseus que eles faziam discípulos para depois os tornarem “duas vezes mais filho do inferno [geena] do que vós” (cf. Mt.23:15), e que “é melhor entrar na vida aleijado do que, tendo os dois pés, ser lançado no inferno [geena]” (cf. Mc.9:45). Qualquer um que disser “louco” ao ser irmão, “corre risco de ir para o fogo do inferno [geena]” (cf. Mt.5:22).

A passagem mais clara de que o verdadeiro inferno à luz da Bíblia (que é o geena) não é um local para espíritos incorpóreos, mas para onde vão os corpos físicos dos ímpios, é Mateus 5:29, onde Cristo diz que, se o teu olho direito te escandalizar, arranca-o e atira-o para longe de ti; pois te é melhor que se perca um dos teus membros do que seja todo o teu corpo lançado no inferno [geena]”. Mas o que era esse geena, de que Cristo tanto falava? Geena era o nome dado ao Vale de Hinon, que se localizava ao sul de Jerusalém. Era um verdadeiro “lixão público”, local onde se deixavam os resíduos, bem como toda a sorte de cadáveres de animais e malfeitores, e imundícies de todas as espécies, recolhidas da cidade.

Neste local, era aceso um “fogo que nunca se apagava”, pelo fato de que estava constantemente aceso, tendo em vista que suportava todos os tipos de lixo e carniça que eram ali despejados. Os dejetos que não eram rapidamente consumidos pela ação do fogo eram consumidos pela devastação dos vermes que ali se achavam – um cenário muito típico de um verdadeiro lixão público – que devoravam as entranhas dos cadáveres dos impenitentes que lá eram lançados, em um espetáculo realmente aterrador.

Por isso mesmo, o fogo não podia ser apagado, para a preservação da saúde do povo que viva naquelas redondezas. Este quadro histórico do “Vale de Hinon” ou “Geena” também é o quadro espiritual do fim dos pecadores que, de acordo com a Bíblia, serão ali lançados. Este é exatamente o mesmo quadro também relatado por Isaías, no último capítulo de seu livro:

“E sairão, e verão os cadáveres dos homens que prevaricaram contra mim; porque o seu verme nunca morrerá, nem o seu fogo se apagará; e serão um horror a toda a carne (cf. Isaías 66:24)

Exatamente o mesmo cenário histórico é retratado por Isaías como o cenário do juízo final. Isaías não contemplava “almas” ou “espíritos” vivos entre as chamas, mas sim cadáveres, ou seja, pessoas mortas. Não existe vida eterna no geena. O geena era um local de impurezas, e no Reino de Deus “não entrará nela coisa alguma que contamine, e cometa abominação e mentira; mas só os que estão inscritos no livro da vida do Cordeiro” (cf. Ap.21:27). Aquilo que era considerado impureza era lançado no geena para ser completamente consumido e devorado pelo fogo e pelos vermes, o mesmo cenário do destino final dos pecadores!

É evidente que tal quadro será completamente transformado por Deus para dar lugar aos “novos céus e nova terra”, prometidos por Deus tanto em Isaías como no Apocalipse (cf. Is.66:22; Ap.21:1). Nesta nova ordem não existe geena e nem algo que seja repugnante, mas “Deus é tudo em todos” (cf. 1Co.15:28), e Ele fará novas todas as coisas (cf. Ap.21:5), não havendo mais “morte, nem tristeza, nem choro, nem dor, pois a antiga ordem já passou” (cf. Ap.21:4).

Paz a todos vocês que estão em Cristo.

Por Cristo e por Seu Reino,

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[1] De minha parte, creio que seria mais prudente se os tradutores bíblicos mantivessem as palavras originais como estão (Sheol, Hades, Tártaro e Geena) ao invés de traduzirem todas por “inferno”, mesmo quando o significado real da palavra seja bem distante daquilo que entendemos por “inferno”.
[2] Uma abordagem minha mais completa sobre isso você pode conferir em meu site, neste link: <http://www.apologiacrista.com/index.php?pagina=1087202023>. 
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30 de agosto de 2013

Onde passaremos a eternidade? No Céu ou na Nova Terra?


Um dos maiores erros teológicos já propagados, que já ficou tão famoso e conhecido que até parece que é bíblico, é a crença de que o crente passará a eternidade no Céu, o famoso “morrer e ir para a glória”. Contudo, em lugar nenhum as Escrituras dizem ou deixam entender que o salvo irá passar a eternidade no Céu. O que elas ensinam é que Deus fará uma nova terra, que não servirá de enfeite, mas para ser habitada:

“E vi um novo céu, e uma nova terra. Porque já o primeiro céu e a primeira terra passaram, e o mar já não existe” (cf. Apocalipse 21:1)

“Porque, eis que eu crio novos céus e nova terra; e não haverá mais lembrança das coisas passadas, nem mais se recordarão” (cf. Isaías 65:17)

“Porque, como os novos céus, e a nova terra, que hei de fazer, estarão diante da minha face, diz o Senhor, assim também há de estar a vossa posteridade e o vosso nome” (cf. Isaías 66:22)

“Mas nós, segundo a sua promessa, aguardamos novos céus e nova terra, em que habita a justiça” (cf. 2ª Pedro 3:13)

Se a primeira terra Deus “não a criou sozinha, mas a formou para que fosse habitada” (cf. Is.45:18), quanto mais a nova terra, que é a terra transformada para que seja a habitação dos santos! Se o homem vive hoje na terra e Deus fará uma nova, só pode ser porque viveremos na nova terra no futuro. Isso porque a cidade celestial de que tanto falamos de fato está no Céu hoje, “preparada” para o dia em que será habitada pelos santos (cf. Hb.11:16), mas descerá do Céu para ser habitada pelos remidos aqui na nova terra:

“Eu, João, vi a santa cidade, a nova Jerusalém, que descia do céu, da parte de Deus, adereçada como uma esposa ataviada para o seu marido” (cf. Apocalipse 21:2)

Portanto, não somos nós que subimos e vamos habitar na cidade celestial, é a cidade celestial que desce para a nova terra! E o verso 3 complementa essa ideia, dizendo:

“Ouvi uma forte voz que vinha do trono e dizia: ‘Agora o tabernáculo de Deus está com os homens, com os quais ele viverá. Eles serão os seus povos; o próprio Deus estará com eles e será o seu Deus’” (cf. Apocalipse 21:3)

Como vemos, não são os homens que estarão com Deus no Céu, é Deus quem estará com os homens na terra! O tabernáculo de Deus, que hoje se encontra no Céu, futuramente estará “com os homens”, isto é, aqui na terra. Foi por isso que Jesus disse que os pobres herdarão a terra, e não o Céu:

“Bem-aventurados os humildes, pois eles receberão a terra por herança” (cf. Mateus 5:5)

Jesus não disse que a herança futura dos justos será habitar no Céu, mas na terra! É evidente que todas essas passagens não se aplicam apenas ao milênio, mas a todo o período eterno. Apocalipse 21:1-3 é pós-milenar, e fala de coisas que acontecerão após o milênio. Mateus 5:5 não é uma referência apenas a um período de mil anos, mas ao período eterno, pois Jesus retirou tal citação do Salmo 37:29, que diz:

“Os justos herdarão a terra e nela habitarão para sempre” (cf. Salmos 37:29)

Não diz que os justos herdarão a terra por mil anos e depois irão para o Céu, ou que irão para o Céu imediatamente após a morte, mas que herdarão a terra para sempre. Por incrível que pareça, alguns imortalistas tem a ultrapassada ideia de que nós estamos hoje na terra, vamos para o Céu após a morte, voltamos para a terra no milênio e depois voltamos de novo para a eternidade no Céu! Essa confusão imortalista não tem base bíblica alguma, pois as Escrituras são claras em relatar que a herança do justo é a terra, que será transformada na criação da “nova terra” prometida por Deus.

A esperança dos judeus da época de Cristo sempre esteve baseada na crença do Reino de Deus vindo, ou seja, de Deus um dia estabelecer Seu Reino de forma visível aqui na terra, onde passaremos a eternidade. Isso fica claro quando vemos a esperança que José de Arimateia tinha a este respeito:

“José de Arimatéia, membro de destaque do Sinédrio, que também esperava o Reino de Deus, dirigiu-se corajosamente a Pilatos e pediu o corpo de Jesus” (cf. Marcos 15:43)

Os judeus estavam esperando o Reino de Deus vir a eles, e não que eles mesmos fossem ao Reino de Deus na morte. É por isso que o próprio Senhor Jesus disse:

“Pois eu lhes digo que não beberei outra vez do fruto da videira até que venha o Reino de Deus (cf. Lucas 22:18)

Na oração modelo do Pai Nosso, ele nos ensinou a orar: venha o teu Reino, seja feita a tua vontade...” (cf. Mt.6:10). Quando oramos pedindo que “venha o teu Reino”, não estamos pedindo a vinda apenas de uma pessoa (segunda vinda de Cristo), mas de um Reino. Esse Reino que virá nada mais é senão aquele mesmo Reino que João viu descer dos céus e se estabelecer na nova terra no Apocalipse (cf. Ap.21:2), que é chamado de “a nova Jerusalém”. Jesus não orou para que ele voltasse, nem disse “venha o teu Filho”, mas que viesse o próprio Reino, em sua forma física e visível, como viu João e como esperavam os judeus.

Isso explica o porquê que vemos tantas vezes no Novo Testamento a menção de que “o Reino de Deus está próximo” (cf. Lc.10:9; 10:11; 21:31; Mc.10:15), que quer dizer que esse Reino de Deus está chegando, que já está perto a hora em que o Reino chegará e será estabelecido aqui na terra. O Reino de Deus já havia chegado em sua forma espiritual (cf. Lc.11:20), pois ainda não era o tempo de vir em sua forma visível (cf. Lc.17:20), uma vez que em sua forma visível ele ainda não havia chegado, mas estava “próximo” (cf. Lc.10:9; 10:11; 21:31; Mc.10:15), sendo estabelecido somente após o milênio (cf. Ap.21:1-3).

Foi por isso que, ao chegar em Jerusalém, Jesus teve que “contar-lhes uma parábola, porque o povo pensava que o Reino de Deus ia se manifestar de imediato” (cf. Lc.19:11). Aquelas pessoas acreditavam que já estava na hora do Reino de Deus se manifestar em sua forma visível, da Jerusalém celestial descer do Céu e do período eterno ter início, e por isso Jesus teve que contar uma parábola em que dizia que somente iria voltar “depois de muito tempo” (cf. Mt.25:19). A crença não era de morrer e ir para o Céu no momento da morte, mas se baseava na expectativa do estabelecimento visível do Reino de Deus aqui na terra, por toda a eternidade.

Quando Deus criou o homem originalmente, ele não o criou no Céu, mas na terra. Portanto, seria mais condizente que, na restauração de todas as coisas (cf. Mt.19:28), o padrão original de Deus para com a Sua criação fosse restabelecido com o homem em um Paraíso terreno. Adão e Eva foram criados na terra em um lugar específico, chamado “Jardim do Éden” (cf. Gn.2:15), mas foram expulsos de lá com a entrada do pecado no mundo, de modo que hoje esse Paraíso se encontra com Deus no Céu (cf. Gn.3:23,24; Ap.22:2,17).

Então, o que acontecerá quando houver a restauração de todas as coisas, quando o pecado for finalmente expulso do mundo? Esse Paraíso irá descer do Céu e voltar para a posse dos seres humanos regenerados (cf. Ap.21:2), assim como eram Adão e Eva antes do pecado. Seria incoerente que Deus tenha criado o homem originalmente na terra para que na restauração do modelo original fosse mudado para o Céu. Nenhum escritor bíblico jamais expressou desejo de ir para o Céu, o que eles almejavam era uma vida eterna. O Reino dos céus é o Paraíso celestial que hoje se encontra no Céu, mas que descerá para a terra após o milênio (cf. Ap.21:1-3).

Ao partirmos desta vida, nos encontraremos com Cristo no juízo após sermos ressurretos, e logo então ocorrerá o reencontro com os santos vivos arrebatados, junto a Jesus nos ares. Cristo vem com os seus santos (cf. 1Ts.4:14) porque estes santos foram ressuscitados primeiro (cf. 1Ts.4:16). Então, após o encontro entre os santos vivos arrebatados e os mortos ressurretos, o Senhor descerá à terra para estabelecer seu Reino milenar, quando a terra desfrutará de mil anos de paz.

Em seguida, haverá a ressurreição dos ímpios (cf. Ap.20:5), que se reunirão e marcharão contra o Cordeiro e os santos na cidade de Jerusalém (cf. Ap.20:8), e serão devorados pelo fogo consumidor que cairá do Céu (cf. Ap.20:9). Neste momento, todo o Universo é transformado pelo poder regenerador de Deus, novos céus e nova terra são feitos, e a cidade celestial, o Paraíso que estava no antigo Céu, descerá para a nova terra, onde habitaremos para sempre com o Senhor. Toda essa visão também é compartilhada até mesmo por muitos pastores, que nem sempre tem coragem suficiente para admitir isso, pois seria negar um mito histórico que é a crença de morrer e ir para o Céu, que não possui qualquer respaldo bíblico.

Estar com Cristo é diferente de ir para o Céu, pois estaremos com Cristo ressurretos no juízo, e não incorpóreos em um estado intermediário. Reino de Deus ou Reino dos céus também não é a mesma coisa do Céu em si. Quando a Bíblia fala do Reino de Deus, ela pode estar se referindo simplesmente ao Evangelho (cf. Mc.4:11; 4:26; Lc.4:43; 8:1; 8:10; 9:11; 9:60), ou também ao Reino dos céus, que se refere ao Reino que hoje está no Céu, mas que descerá para a nova terra prometida após o milênio, quando a cidade celestial descer do Céu e o próprio tabernáculo de Deus estiver com os homens (cf. Ap.21:3).

Sendo assim, quando Cristo disse em Mateus 5:3 que “bem-aventurados são os pobres em espírito, pois deles é o Reino dos céus(cf. Mt.5:3), ele não estava entrando em contradição com aquilo que ele mesmo disse apenas dois versos depois, de que “bem-aventurados são os humildes, pois eles receberão a terra por herança” (cf. Mt.5:5), nem tampouco estava dizendo que os humildes teriam um destino eterno diferente do destino dos pobres de espírito, porque o Reino dos céus de que ele falava descerá à terra para habitarmos nela para sempre. Sendo assim, habitaremos na Jerusalém celestial (Reino dos céus) estabelecida sobre a nova terra. É por isso que a nossa maior esperança, como diz Pedro, não é de morrer e ir para o Céu, mas de que, “de acordo com a sua promessa, esperamos novos céus e nova terra, onde habita a justiça” (cf. 2Pe.3:13).

E é por isso também que o apóstolo Paulo disse:

“Mas a nossa cidade está nos céus, de onde também esperamos o Salvador, o Senhor Jesus Cristo” (cf. Filipenses 3:20)

Note que Paulo não disse que nós vamos para o Céu, mas que a nossa pátria está nos céus. Essa cidade, que Paulo diz que está hoje no Céu, descerá por ocasião do fim do milênio, como diz João (cf. Ap.21:2), se estabelecendo na nova terra. Paulo completa o pensamento dizendo que de lá (do Céu) nós também esperamos o Salvador Jesus Cristo. Esse “também” colocado aqui pelo apóstolo liga esses dois acontecimentos, a descida de Jesus à terra e a descida da cidade celestial à terra. Não é apenas Jesus que irá vir à terra, mas também Jesus. Diante do contexto, esse “também” está relacionado à “nossa cidade que está nos céus”, a nova Jerusalém celestial. Portanto, a crença de Paulo não era em morrer e ir morar no Céu para sempre, mas era a expectativa da volta de Cristo e da descida de cidade santa na nova terra prometida.

Infelizmente, a partir do momento em que a mentira da imortalidade da alma começou a ganhar força nas igrejas cristãs, essa realidade foi completamente distorcida e deturpada. As pessoas de hoje em dia oram dizendo “venha o teu Reino” sem saber o que isso significa. Têm em mente aquela versão popular da vida após a morte, onde a expectativa do cristão é baseada na ilusão de se estar no Céu em um estado incorpóreo entre a morte e a ressurreição, e não na visão realista bíblica da vida corpórea e terrena após a ressurreição. Toda uma teologia escatológica bíblica sólida foi destruída para dar lugar a um conto de fadas, onde espíritos flutuam nas nuvens do Céu tocando flautas e conversando com os anjos, ao invés do realismo bíblico onde a vida futura se dá através da ressurreição de um corpo físico, para habitar em uma nova terra física, embora transformada do pecado e dos pecadores.

Paz a todos vocês que estão em Cristo.


Por Cristo e por Seu Reino,

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Novos céus e nova terra


Em 2ª Pedro 3:13 temos uma revelação importante que nos ajuda a compreender o caráter da transformação completa do Universo por ocasião do estabelecimento do Reino de Deus entre os homens:

“Naquele dia os céus serão desfeitos pelo fogo, e os elementos se derreterão pelo calor. Todavia, de acordo com a sua promessa, esperamos novos céus e nova terra, onde habita a justiça (cf. 2ª Pedro 3:12,13)

Note que Pedro não diz que Deus fará novo céu e nova terra, mas novos céus, no plural. Como o primeiro Céu é a atmosfera do nosso planeta, o segundo Céu é o espaço sideral onde o sol, a lua e as estrelas estão situados, e o terceiro Céu é a dimensão espiritual onde Deus habita, a menção a Deus criar novos céus, no plural, compreende todo o Universo cósmico e todas as dimensões, abrangendo não apenas a atmosfera terrestre (primeiro Céu), mas tudo (céus, no plural). Isso fica ainda mais claro quando vemos os léxicos do grego traduzirem essa palavra utilizada por Pedro da seguinte forma:

3772 ουρανος ouranos
talvez do mesmo que 3735 (da idéia de elevação); céu; TDNT - 5:497,736; n m
1) espaço arqueado do firmamento com todas as coisas nele visíveis.
1a) universo, mundo.
1b) atmosfera ou firmamento, região onde estão as nuvens e se formam as tempestades, e onde o trovão e relâmpago são produzidos.
1c) os céus siderais ou estrelados.
2) região acima dos céus siderais, a sede da ordem das coisas eternas e consumadamente perfeitas, onde Deus e outras criaturas celestes habitam.

Perceba a amplitude que essa palavra possui, abrangendo todo o mundo, o universo, todos os “céus”. Ela abrange tanto o nosso mundo visível como o invisível, tanto a nossa atmosfera terrestre como também a região acima dos céus siderais, onde Deus e outras criaturas celestes habitam. Em outras palavras: tudo! Então, quando Pedro diz que Deus fará novos céus (ouranos) e nova terra, ele não está dizendo aquilo que a concepção popular acredita a este respeito, de que apenas a terra e a atmosfera da terra passarão por transformação (se fosse assim, ele teria empregado a palavra ouranothen, com significado bem mais modesto[1]), mas se referia a todas as dimensões do Universo.

E quais são as implicações disso?

Muitas, em todos os sentidos. Em primeiro lugar, porque o próprio Pedro diz na sequencia que nessa nova criação, com novos céus e nova terra, habitará a justiça (cf. 2Pe.3:13). Não haverá iniquidade nessa nova criação, com ímpios blasfemando enquanto são atormentados para sempre em um lago de fogo e enxofre real e literal. João também completa o pensamento de Pedro dizendo que nessa Nova Ordem já não haverá morte, nem tristeza, nem choro, nem dor, porque essas são coisas da antiga criação (cf. Ap.21:4). Desta forma, é impensável crer que nessa nova criação haverá um lago de fogo queimando bilhões de criaturas infieis a Deus, chorando, tristes, sofrendo horríveis dores, em processo contínuo de morte, todas essas coisas que batem de frente com aquilo que João diz sobre essa nova criação de Deus, que se refere a todo o Universo criado e não apenas aos justos.

Em segundo lugar, se o lago de fogo é um retrato real e literal de um “inferno” sobre a terra, então para onde teriam sido levados os perdidos após a transformação total do Universo? Ora, a descrição dos ímpios como sendo “devorados” pelo fogo que caiu do Céu (cf. Ap.20:9) vem antes da descrição de novos céus e nova terra (cf. Ap.21:1), antes da transformação total do Universo. Para os ímpios continuarem queimando em algum lugar, a Bíblia deveria descrever que esse lago de fogo foi transferido para algum local do Universo para ali continuar queimando eternamente, até porque na nova terra não haverá mar (cf. Ap.21:1).

Contudo, não há nenhuma informação de que tal lago de fogo se transfira para outra parte do Universo para ali continuar queimando eternamente ou que continue em funcionamento após a criação de novos céus e de nova terra. A razão para isso é que eles não vão a lugar algum, porque o lago de fogo é a segunda morte, a morte final e irreversível, e não um lugar físico literal na superfície da terra.

Em terceiro lugar, o autor de Hebreus nos disse que a missão de expiatória de Cristo é de “aniquilar o pecado” (cf. Hb.9:26). Mas como isso pode ser colocado em prática de fato, se para sempre existirão ímpios e demônios subsistindo eternamente em um lago de fogo, sofrendo e blasfemando contra Deus? Ora, só é possível aniquilar o pecado se aniquilar os pecadores, pois o pecado não é como um objeto que se destrói, mas uma ação que provém de uma pessoa. Portanto, para aniquilar o pecado, é necessário aniquilar os pecadores. Doutra forma, para sempre haveria no mundo um “ponto negro” no Universo, onde bilhões de criaturas dão gritos de angústia e dor, blasfemando contra Deus e o Cordeiro, se odiando mutuamente e conservando todo tipo de mal em si mesmos. O pecado nunca seria aniquilado, porque para sempre haveriam pecadores. Como diz Bacchiocchi:

“O propósito do plano de salvação é, por fim, erradicar a presença de pecado e pecadores deste mundo. Apenas se os pecadores, Satanás e os anjos maus por fim forem consumidos no lago de fogo e experimentarem a extinção da segunda morte é que verdadeiramente podemos dizer que a missão redentora de Cristo foi uma vitória inigualável. O tormento infindável lançaria uma sombra permanente de trevas sobre a nova criação”[2]

Na nova criação, não haverá nem raiz e nem ramo do pecado, nem sequer um único átomo ou parte de um átomo, de sofrimentos ou de vestígios do pecado em todos os recantos do Universo restaurado sob a Nova Ordem, durante a eternidade. Essa visão bíblica está aliada ao quadro de transformação da criação à sua perfeição original, longe do pecado e de pecadores, enquanto a visão imortalista crê que para sempre haverá pecado e pecadores, eternizando as blasfêmias e perpetuando o pecado, semelhante ao quadro atual em que vivemos hoje.

Em quarto lugar, o apóstolo Paulo disse que nele [em Deus] vivemos, e nos movemos, e existimos (cf. At.17:28). Tendo em vista que nós só existimos em Deus, é impossível que o lago de fogo se refira não a uma morte real como cessação de existência, mas meramente como uma morte espiritual como separação de Deus, pois ninguém pode viver completamente separado de Deus e continuar existindo. Enquanto estamos nesta vida, Deus mantém todos em existência, pois para todos ainda há possibilidade de arrependimento para a vida eterna. Mas qual seria o sentido em manter bilhões de criaturas em existência se elas já foram condenadas?

Evidentemente, nenhuma. A existência somente em Deus é uma prova irrefutável de que somente aqueles que estão em Cristo desfrutarão de uma existência eterna no futuro. Sustentar que os ímpios também terão uma existência eterna é se contrapor à doutrina bíblica de que somente em Deus existimos, apenas nEle podemos existir eternamente. Foi por isso que Cristo disse que ele é “o caminho, a verdade e a vida (cf. Jo.14:6), porque não existe vida longe de Deus.

Em quinto lugar, essa nova criação ocorrerá “para que Deus seja tudo e em todos” (cf. 1Co.15:28). Note que a construção da frase está no futuro – para que Deus seja (ele não é ainda!) tudo e em todos! Por que Deus ainda não é tudo e em todos? Por que isso somente ocorrerá no futuro, como aponta Paulo neste verso? Porque enquanto existirem ímpios e pecadores, demônios e homens maus, Deus não pode ser “em todos”, pois Ele não habita nessas pessoas. Deus habita apenas naqueles que são seus filhos, através do seu Espírito Santo. Foi por isso que Jesus disse:

“E eu pedirei ao Pai, e ele lhes dará outro Conselheiro para estar com vocês para sempre, o Espírito da verdade. O mundo não pode recebê-lo, porque não o vê nem o conhece. Mas vocês o conhecem, pois ele vive com vocês e estará em vocês (cf. João 14:16,17)

Deus não habita nas pessoas “do mundo” (ímpios), mas habita em nós (Igreja) através do Seu Espírito. Por essa razão Paulo deixa claro que Deus ainda não é em todos: porque Deus não pode habitar em ímpios. Enquanto existirem ímpios, Deus não será em todos, mas apenas em alguns, nos salvos. Futuramente, porém, quando os ímpios e o diabo forem completamente aniquilados e perderem a existência, Deus será tudo e em todos! Não existindo ímpios, mas apenas santos, Deus está em todos, sem exceção. Somente quando os ímpios deixarem de existir Ele será em todos, porque apenas os salvos existirão, aqueles em quem ele põe o seu Espírito Santo. A evidência de inexistência futura dos ímpios é incontestável.

E aqui reside um sexto problema da visão imortalista: na ótica deles, a existência em si não é um privilégio, nem um dom de Deus, mas algo natural, pois a alma é imortal e o tormento dos ímpios é eterno. Ao invés de a obtenção de uma vida eterna ser um dom e um prêmio, qualquer um vive eternamente, seja no Céu ou no inferno. Não é estar em Deus que garante a existência, nem caminhar com Cristo que permite viver eternamente, a única distinção é entre viver eternamente no Céu ou viver eternamente no inferno, em uma existência contínua e ininterrupta.

A Bíblia, ao contrário, apresenta o fato de viver para sempre como sendo em si mesmo um dom de Deus, porque o castigo natural pelo pecado do homem é a morte (cf. Gn.3:19). Assim, ao invés de a eternidade ser algo natural, o que é natural é a morte como consequencia do pecado. O próprio fato de poder viver eternamente, então, é um dom de Deus, uma graça divina, um prêmio. É por isso que em todo o Novo Testamento vemos sempre que o foco era em conseguir a vida eterna, e não em ir morar no Céu. O contraste não era entre ter uma vida eterna no Céu e não no inferno, mas entre ter uma vida eterna ou não ter uma vida eterna.

Por fim, ainda que se tentem elaborar argumentos da mais refinada retórica e tentativas de explicações “lógicas” (muito mais baseadas na filosofia do que no amor e na justiça de Deus), “não há como justificar que o Criador irá preservar a vida de bilhões de criaturas com o único propósito de que vivam pela eternidade sofrendo por erros e faltas não perdoados, cometidos durante algumas décadas de vida sobre a terra (ou menos)[3]. E o professor Azenilto Brito completa: E há quem ensine que Deus ‘predestina’ alguns para se salvar, enquanto os que se perderem é por não terem sido assim ‘escolhidos’! Nasceram para mais tarde viver eternamente queimando... Não admira a imensa quantidade de ateus, agnósticos  e materialistas que têm povoado este planeta[4].

Qual a finalidade em deixar queimando eternamente bilhões e bilhões de criaturas, ainda mais quando já pagaram por aquilo que merecem? Qual a finalidade em preservar a vida nestes casos, o que também teria como consequência a não-erradiação do pecado (pois haveria para sempre um “ponto negro” no inverso, cheio de pessoas blasfemando)? Se já pagaram de acordo com os seus pecados, então por que não aniquilar de vez com o pecado, mas, ao invés disso, manter em tormento eterno a alma de alguma pessoa sem qualquer finalidade em si mesma, em um processo que nem sequer tem um fim? Estariam “pagando a mais” pelo que? Por que perpetuar ao invés de colocar um fim completo no pecado e nos pecadores? Como disse Bacchiocchi:

“A intuição moral que Deus implantou em nossas consciências não pode justificar a insaciável crueldade de uma divindade que sujeita os pecadores ao tormento eterno. A justiça divina nunca poderia requerer para  pecadores finitos a infinita penalidade da eterna dor, porque o tormento infindável não serve a qualquer propósito reformatório, precisamente porque não tem fim”[5]

Por tudo isso e muito mais, a noção de um inferno de fogo eterno, que nunca completará sua obra destrutiva, é completamente incompatível com a noção de que Deus é amor e justiça. Na nova criação, todo o pecado será completamente aniquilado, quando tudo se fizer novo. Não haverá mais tristeza, nem choro, nem morte, nem luto, nem dor (cf. Ap.21:4). Se até mesmo quando alguém querido daqui da terra morre e é sepultado, pensando-se que foi para o Céu, já há luto, quanto mais sabendo que no exato momento algum familiar seu está sofrendo e vai sofrer mais ainda para todo o sempre no inferno, sob torturas colossais! Como não estar de “luto” ou “tristeza” numa circunstância dessas?

Felizmente, a mensagem bíblica é de que apenas os justos herdarão a imortalidade, pois somente eles desfrutarão da árvore da vida no Paraíso de Deus:

“No meio da sua praça, e de um e de outro lado do rio, estava a árvore da vida, que produz doze frutos, dando seu fruto de mês em mês; e as folhas da árvore são para a saúde das nações... Bem-aventurados aqueles que guardam os seus mandamentos, para que tenham direito à árvore da vida, e possam entrar na cidade pelas portas” (cf. Apocalipse 22:2,14)

A árvore da vida é um símbolo de imortalidade (cf. Gn.3:22), que só será desfrutada pelos remidos, e após a ressurreição dentre os mortos (cf. Ap.22:2,14). Neste momento, a árvore da vida, símbolo do dom da imortalidade, estará disponível aos salvos novamente, que dela comerão, e que reinarão com Cristo para todo o sempre.

“E Deus limpará de seus olhos toda a lágrima; e não haverá mais morte, nem pranto, nem clamor, nem dor; porque já as primeiras coisas são passadas; E o que estava assentado sobre o trono disse: Eis que faço novas todas as coisas. E disse-me: Escreve; porque estas palavras são verdadeiras e fiéis” (cf. Apocalipse 21:4,5)

Paz a todos vocês que estão em Cristo.

Por Cristo e por Seu Reino,
Lucas Banzoli (apologiacrista.com)

Extraído de meu livro: “A Lenda da Imortalidade da Alma”


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[1] Essa palavra significa, de acordo com o léxico da Concordância de Strong, apenas “do Céu”, mais nada além disso, sem ir além da atmosfera terrestre, e seria a palavra exata para Pedro usar caso ele cresse que o que apssará por transformação na Nova Ordem é apenas a terra e a atmosfera terrena, e não todo o Universo.
[2] BACCHIOCCHI, Samuele. Imortalidade ou Ressurreição: Uma abordagem bíblica sobre a natureza e o destino eterno. Unaspress, 1ª edição, 2007.
[3] BRITO, Azenilto Guimarães. Um fogo eterno que não queima para sempre. É possível? Disponível em: <http://www.c-224.com/Aa_FogoEterno.html>. Acesso em: 30/08/2013.
[4] ibid.
[5] BACCHIOCCHI, Samuele. Imortalidade ou Ressurreição: Uma abordagem bíblica sobre a natureza e o destino eterno. Unaspress, 1ª edição, 2007.
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