Deus, o único que possui
a imortalidade
– “Aquele que possui, ele só, a imortalidade,
e habita em luz inacessível; a quem nenhum dos homens tem visto nem pode ver;
ao qual seja honra e poder para sempre. Amém” (cf. 1Tm.6:16). Essa declaração
conclusiva que faz o apóstolo Paulo confirme tudo aquilo que já vimos até aqui:
Deus é o único que possui a imortalidade. Ponderamos: se todos nós tivéssemos
presos dentro de nós uma “alma imortal”, Paulo iria dizer que apenas Deus que possui tal imortalidade?
Absolutamente não.
Nisso fica claro que nós, seres humanos,
não possuímos a imortalidade, supostamente na forma de um elemento imortal
implantado em nosso ser. Deus é o único. Ele só possui a imortalidade. Se nós possuíssemos
uma alma imortal, nós não morreríamos nunca, viveríamos eternamente e
inerentemente, através dessa alma. Aliás, essa é a base da doutrina imortalista,
refutada pelo apóstolo Paulo.
Tal passagem é tão irrefutável que os
apologistas Norman Geisler e Thomas Howe (ambos defensores da imortalidade da
alma) tentaram oferecer a melhor explicação a ela dentro do prisma imortalista,
mas que, como veremos, só complica ainda mais a situação deles. Eles
argumentaram da seguinte maneira:
”Deus é o único que possui a imortalidade intrinsecamente, em
virtude de sua própria natureza. Todos os crentes a recebem como uma dádiva de
Deus, mas ela não é inerente à natureza humana, como criaturas que são.
Coloquemos isso de outro modo: somente Deus é imortal - os seres humanos
simplesmente possuem imortalidade”[1]
A explicação deles, muito repetida no meio
imortalista, acaba falhando exatamente no ponto em que ela mais tenta se
sustentar: de que nós não somos imortais,
mas apenas possuímos a imortalidade
(por causa da alma imortal que em nós reside). O texto original do grego,
contudo, deita por terra essa tentativa de refutação, visto que Paulo fez
questão de usar o termo grego para possessão-echôn nessa
passagem, como podemos constatar:
“o monos echôn athanasian phôs oikôn aprositon on eiden oudeis
anthrôpôn oude idein dunatai ô timê kai kratos aiônion amên” (cf. 1ª Timóteo 6:16)
De acordo com o léxico da Concordância de
Strong, echôn significa:
2192
εχω echo
verbo primário; TDNT - 2:816,286; v
1) ter, i.e. segurar.
1a) ter (segurar) na
mão, no sentido de utilizar; ter (controlar) possessão da mente (refere-se a
alarme, agitação, emoção, etc.); segurar com firmeza; ter ou incluir ou envolver; considerar ou
manter como.
2) ter, i.e., possuir.
Como vemos, tal verbo denota possessão, como quando alguém
"segura" algo, quando têm em seu controle, ou possui em sua natureza.
É esse o verbo que sempre aparece quando o assunto é ter ou possuir algo. Em
Mateus 11:15, é nos dito que "quem tem [echôn] ouvidos para ouvir, ouça". O jovem rico "retirou-se triste, porque possuía [echôn]
muitas propriedades" (cf. Mt.19:22). Os saduceus perguntaram a
Cristo se alguém, "não tendo [echôn]
filhos, casará o seu irmão com a mulher dele" (cf. Mt.22:24). Os
judeus, ao ouvirem Jesus pregando, "maravilhavam-se
da sua doutrina, porque os ensinava como tendo
[echôn] autoridade" (cf.
Mc.1:22). Na sinagoga "estava ali um homem que
tinha [echôn] uma das mãos atrofiada" (cf. Mc.3:1). Paulo
disse que "é preciso que o presbítero seja
irrepreensível, marido de uma só mulher, e tenha
[echôn] filhos crentes..."
(cf. Tt.1:6).
Como podemos ver ao longo de todo o Novo
Testamento, o verbo echôn nunca está relacionado a "ser",
mas a "possuir". Paulo sabia muito bem disso, e por essa mesma
razão não disse apenas que Deus "é o único imortal", mas que é o
único que "possui [echôn] a
imortalidade". Desta forma, embora seja louvável a tentativa de refutação
pelos imortalistas, ela não é sincera quando analisamos o original grego[2].
Ele nos mostra que Deus não apenas é o único que é imortal, mas também que é o único a possuir a imortalidade, refutando a objeção de Geisler e Howe.
Tais apologistas, defensores da tese da
alma imortal, sabiam muito bem que, se Deus é o único a possuir a imortalidade, então nós não possuímos uma alma imortal, e por essa razão tentaram objetar com
tal distinção entre "ser" e "possuir", ainda que no grego
esteja "possuir" e não "ser"! O texto em pauta fala acerca
de possessão, de posse presente. Paulo afirma que Deus é o único a possuir a imortalidade. Nós, seres
humanos, não possuímos a
imortalidade, mas almejamos obtê-la,
é por isso ela tem que ser buscada (cf.
Rm.2:7). Deus é o único que tem a
imortalidade como possessão presente (cf. 1Tm.6:16), ao passo que os justos
terão a sua natureza mortal transformada um uma natureza imortal por ocasião da
ressurreição (cf. 1Co.15:53,54). Nós não somos um corpo mortal que possui um elemento imortal, porque o
único a possuir tal imortalidade é o
Deus Todo-Poderoso (cf. 1Tm.6:16). E isso obviamente exclui todo o dualismo
grego entre corpo e alma.
Outros imortalistas, na tentativa de
oferecerem alguma outra interpetação que lhes pareça mais plausível que a
anterior, que é facilmente refutada, argumentam que Deus é o único que é a fonte da imortalidade, ao passo que os
seres humanos apenas obtém imortalidade
derivada de Deus. Isso, contudo, novamente fere o texto bíblico, que em momento
nenhum fala sobre fonte de imortalidade,
mas sobre possessão de imortaldiade.
Paulo não disse que "Deus é o único que é a fonte da imortalidade", mas sim que Ele é "o único
que possui a imortalidade".
É praxe dos imortalistas terem que distorcer ou até mesmo manipular um texto bíblico,
reinterpretando-o ao ponto de reescrevê-lo,
para poderem enxaicar as suas teses na Bíblia. A razão para isso é simples:
porque aquilo que o texto diz de verdade simplesmente não os agrada. Precisam mudar o texto bíblico, alterar a Palavra de Deus. Onde diz
"o único que possui a imortalidade", mudam para "o único que é a
fonte da imortalidade". O texto, porém, nada discorre sobre "ser uma
fonte de imortalidade", passando a ideia de que outros seres também a
possuem; ao contrário, rejeita a tese de que outros seres a possam possuir por
possessão natural.
Além disso, uma objeção semelhante é feita
por imortalistas que, em lugar de "imortalidade", mudam para
"eternidade", como fez o Pr. Airton Evangelista da Costa:
"A imortalidade de que
trata 1 Timóteo 6.16, refere-se a um atributo intrínseco da Divindade; uma
imortalidade que pode ser traduzida por eternidade, isto é, Deus não teve
começo nem terá fim"[3]
Qual a necessidade de se alterar o que o
texto bíblico diz, de "imortalidade" para "eternidade"? É
evidente que os próprios imortalistas reconhecem as dificuldades de se encarar
um texto bíblico de acordo com aquilo que
o texto diz categoricamente, daí a necessidade de se trocar palavras, como
se o próprio Paulo tivesse escolhido as palavras erradas, obrigando os
imortalistas de séculos posteriores a corrigirem Paulo e, em lugar de
"imortalidade", traduzirem por "eternidade", que seria uma
escolha mais correta, na opinião deles.
Contudo, se o próprio Paulo quisesse apenas
dizer que Deus é o único que "possui a eternidade" (o que em si mesmo
não teria sentido, visto que Deus não "possui" a eternidade, mas
"é" eterno, tornando inócuo e sem sentido o emprego do echôn, como vimos anteriormente) ele
teria pronto, a mão, e perfeitamente disponível a palavra aionios, que é a palavra sempre
utilizada quando se refere à eternidade, ou a algo que é eterno. Por
exemplo, Deus fará conhecido o "eterno [aionios] propósito que fez em Cristo
Jesus" (cf. Ef.3:11), nos fará entrar no "reino
eterno [aionios] de nosso Senhor e
Salvador Jesus Cristo" (cf. 2Pe.1:11), o evangelho é chamado de "evangelho eterno [aionios]" (cf. Ap.14:6), o Espírito Santo é chamado de "Espírito eterno [aionios]" (cf. Hb.9:14), e quando o próprio Paulo quis dizer que Deus é eterno ele empregou aionios:
"Mas
que se manifestou agora, e se notificou pelas Escrituras dos profetas, segundo
o mandamento do Deus eterno,
a todas as nações para obediência da fé" (cf. Romanos
16:26)
No grego:
"phanerôthentos
de nun dia te graphôn prophêtikôn kat epitagên tou aiôniou theou eis upakoên pisteôs eis panta ta ethnê
gnôristhentos"
Portanto, quando Paulo queria passar a
ideia de que Deus era eterno, ele nunca hesitava em usar outra palavra senão a
própria em questão que significa eterno, que é aionios. Se ele decidiu mudar em 1ª Timóteo 6:16 e empregar a palavra para imortalidade,
que é athanasia, é porque ele não
queria dizer "eterno", mas "imortal"! Paulo não se enganou
na palavra escolhida e nem disse uma coisa "querendo dizer outra",
como a alegação imortalista que mais parece querer concertar um erro do apóstolo Paulo no desespero em oferecer alguma
interpetação para a palavra "imortalidade" que não seja
"imortalidade"!
Pois imortal não é aquilo que é eterno,
isto é, que não tem começo e nem fim. Só Deus é eterno, isso ninguém contesta.
Mas imortal (athanasia),
diferenciando-se de eterno (aionios),
diz respeito simplesmente a algo que não pode morrer. Nem os seres humanos nem
os anjos possuem a imortalidade em
seu ser, que seria algo que lhes impedisse de morrer e que lhes garantiria uma
existência eterna. Se os anjos possuíssem a imortalidade, os que caíram não
estariam fadados à morte no lago de fogo, como veremos mais adiante no capítulo
sobre o inferno. Os anjos bons, por sua vez, tem sua imortalidade condicionada à sua obediência a Deus,
assim como os humanos, que não possuem nenhum elemento imortal que lhes garanta
uma existência sem fim, mas que podem viver eternamente se forem fieis a Cristo
e obedientes a Deus, herdando uma vida eterna na ressurreição.
Desta forma, podemos ver que todos os
argumentos imortalistas que tentam contradizer aquilo que o texto bíbico diz
claramente falham miseravelmente quando postos à prova pela própria Bíblia,
pois não parecem interessados em fazer exegese,
mas meramente em demonstrar indignação com o que realmente está escrito,
tentando reescrever a Bíblia ou nos tentar convencer que Paulo disse uma coisa
mas queria dizer outra, ou que usou uma palavra quando o correto mesmo era
outra que estava perfeitamente disponível, mas não foi usada por ele. Isso não
é interpretar um texto, mas forçá-lo de
tal forma que o contraste entre ele e a imortalidade da alma se torne mais
sutil.
Por Cristo e por Seu Reino,
Lucas Banzoli (apologiacrista.com)
-Artigos relacionados:
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- Preterismo em Crise (Refutando o Preterismo Parcial e Completo)
[1] GEISLER,
Norman; HOWE, Thomas. Manual popular de
dúvidas, enigmas e 'contradições' da Bíblia. São Paulo: Editora Mundo
Cristão, 1999.
[2] Além
do original grego, muitas versões vernáculas também traduzem corretamente esse
verso por "ter" ou "possuir", tais como a Almeida Revisada
e Atualizada, a Almeida Corrigida e Revisada Fiel, a Almeida Revisada Imprensa
Bíblica, a Sociedade Bíblica Britânica, e até mesmo as versões católicas, como
a versão Ave Maria ou da CNBB, mostrando que os tradutores bíblicos sabiam do
significado do echôn e deitando por
terra a tese imortalista de que Deus é o único que é imortal, mas que nós também possuímos
a imortalidade, por meio da alma imortal implantada em nosso ser.
[3] COSTA,
Airton Evangelista. Reflexões sobre a
imortalidade da alma. Disponível em: <http://solascriptura-tt.org/AntropologiaEHamartologia/ReflexoesImortalidadeAlma-AECosta.htm>.
Acesso em: 15/08/2013.
muito bom que DEUS ABENÇOE
ResponderExcluirRealmente um atributo de Deus a imortalidade.
ResponderExcluirMuito bom o artigo! Sou mortalista, e esse versículo ( 1 TM 6.16), é de fato umas das passagens em que os imortalistas tem mais dificuldades de refutar(na verdade todas as refutações deles são fracas, mas a dessa passagem em especial mais ainda, pela clareza do texto bíblico).
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