Desmistificando a lenda de uma alma imortal

21 de agosto de 2013

Refutando os neo-gnósticos que negam a ressurreição da carne - Parte 2

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No capítulo da ressurreição, em 1ª Coríntios 15, Paulo também teria perdido uma ótima oportunidade de dizer que a ressurreição física não existe, mas apenas uma ressurreição espiritual, confirmando a incredulidade dos próprios coríntios; mas, ao contrário, reiterou a crença ortodoxa cristã na ressurreição física dos mortos. Isso porque alguns dentre os coríntios estavam pensando que não existia ressurreição física:

“Ora, se se prega que Cristo ressuscitou dentre os mortos, como dizem alguns dentre vós que não há ressurreição de mortos?” (cf. 1ª Coríntios 15:12)

Como vemos, alguns falsos mestres na Igreja de Corinto estavam pervertendo a fé dos outros, ensinando que a ressurreição física não existe, assim como criam os gregos de sua época e posteriormente vieram as crer os gnósticos. Paulo passa, então, todo o capítulo refutando tal visão deturpada que tais hereges tinham. Brian Schwertley fala sobre isso nas seguintes palavras:

“Os versículos 35-58 indicam que os falsos mestres em Corinto aparentemente estavam opondo-se ao aspecto corporal da ressurreição. Apesar de não sabermos o que especificamente causou a rejeição de uma ressurreição corporal, é provável que seja por causa da influência da filosofia grega, talvez juntamente com o seu conceito pervertido da espiritualidade. À luz de 1ª Coríntios 6.13 é provável que eles consideravam a salvação do corpo como desnecessária; que o corpo físico acabaria por ser destruído. Porque eles viam o corpo físico como inferior e desnecessário, assim redefiniram a futura ressurreição de uma maneira puramente espiritual. É por esta razão que 1ª Coríntios 15 é um texto bem adequado para refutar o preterismo completo”[1]

Os neo-gnósticos são obrigados aqui a interpretarem a ressurreição de que Paulo fala como sendo uma ressurreição meramente espiritual, como um “nascer de novo”, o que mutila todo o contexto. Se a ressurreição aqui se tratasse meramente de uma espiritual, mas não física, Paulo não teria usado o caso da ressurreição física de Jesus dentre os mortos para basear a crença da ressurreição de que ele fala em todo o capítulo:

“E, se não há ressurreição de mortos, também Cristo não ressuscitou. E, se Cristo não ressuscitou, logo é vã a nossa pregação, e também é vã a vossa fé” (cf. 1ª Coríntios 15:13-14)

Fica nítido que a ressurreição que o capítulo trata é a ressurreição física, e não uma ressurreição meramente espiritual, ou senão a própria ressurreição de Jesus seria meramente espiritual e não-física! Jesus nunca teria ressuscitado dos mortos! Quanto a isso, Schwertley diz:

“Paulo mais uma vez vê o que os outros, aparentemente, não conseguiram ver: a ressurreição, em geral, não pode ser negada sem finalmente avançar para uma negação também da ressurreição de Cristo. Ambos permanecem e caem juntos (...) O argumento do apóstolo seria inválido se a ressurreição dos santos fosse definida de uma maneira completamente diferente da ressurreição do Redentor. Paulo está dizendo que se não há plural A, então não pode haver singular A. Se definirmos a ressurreição dos santos como meramente uma experiência espiritual ou uma metáfora para um avivamento do Israel étnico, então Paulo está comparando maçãs com laranjas. Ele estaria dizendo que se não há plural B, então não pode haver singular A[2]

E Paulo segue o mesmo raciocínio nos versos 22 e 23:

“Porque, assim como todos morrem em Adão, assim também todos serão vivificados em Cristo. Mas cada um por sua ordem: Cristo as primícias, depois os que são de Cristo, na sua vinda” (cf. 1ª Coríntios 15:22,23)

Aqui ele claramente refuta a crença de que a ressurreição se refira a um acontecimento espiritual e particular na vida de cada crente, porque situa a ressurreição de todos os que estão em Cristo para a Sua segunda vinda. Mais uma vez Schwertley faz ótimas observações a este respeito:

“Não é, então, uma liberdade muito ousada com a Palavra de Deus ao dizer que apenas uma parte fracionária de ‘os que são de Cristo’ são aqui falados? Que haverá aos milhões de ‘os que são de Cristo’, que não serão ‘ressuscitados na sua vinda’, mas permanecem em seu estado mortal e sem glória sobre a terra por pelo menos mil anos depois? Aqui, pelo contrário, encontramos a geração toda do segundo Adão sendo vivificados juntos na sua vinda”[3]

Corrobora com isso também o fato de que Paulo usou o termo grego tagmati, traduzido por “ordem” no verso 23, que é uma metáfora militar, referindo-se a todo o corpo de uma tropa. O que o apóstolo quis dizer com isso é que quando Jesus voltar “todos os corpos dos crentes de toda a história humana ressuscitarão como tropas que saem juntos para assumir uma posição adequada de ordem em torno de seu líder. A expressão ‘os que são de Cristo’ (hoi tou Kristou) é abrangente. Refere-se a todo o corpo dos eleitos”[4]. Não é, portanto, um cenário de infindáveis ressurreições espirituais sucessivas para cada indivíduo em vários momentos na história da humanidade que Paulo tinha em mente, mas sim de um momento específico, a parousia (volta de Jesus), quando todos os mortos em Cristo ressuscitarão num mesmo instante.

Ademais, Paulo prossegue o capítulo falando sobre com que tipo de corpos que os mortos ressuscitarão (cf. 1Co.15:35). Isso seria incoerente se fosse apenas uma ressurreição não-física, não-corporal, mas meramente espiritual. Nós somos ressuscitados espiritualmente em vida, como disse o próprio Paulo (cf. Cl.3:1), então dizer com que corpos que os mortos ressuscitarão no futuro é algo simplesmente sem qualquer sentido na visão gnóstica. Paulo, em seguida, passa a refutar as objeções daqueles falsos mestres em Corinto que duvidavam da ressurreição, chamando-os de “insensatos”:

Mas alguém dirá: Como ressuscitarão os mortos? E com que corpo virão? Insensato! o que tu semeias não é vivificado, se primeiro não morrer. E, quando semeias, não semeias o corpo que há de nascer, mas o simples grão, como de trigo, ou de outra qualquer semente. Mas Deus dá-lhe o corpo como quer, e a cada semente o seu próprio corpo” (cf. 1ª Coríntios 15:35-38)

A palavra aqui traduzida por “insensato” vem do grego aphrosune, que, de acordo com a Concordância de Strong, significa: “tolice, estupidez, insensatez”[5]. Paulo chamou tais falsos mestres de tolos, estúpidos ou insensatos não sem razão, mas porque eles estavam colocando incredulidade acerca da realidade da ressurreição naquela igreja. E, na sua descrença de que a ressurreição física pudesse acontecer, desafiavam com perguntas difíceis, tais como a que Paulo teve que responder, sobre como ressuscitarão os mortos e com que tipo de corpo virão. Como Paulo cria na ressurreição da carne, ele não apenas respondeu a estes falsos mestres, como também criticou severamente a insensatez deles.  

Isso lembra muito a discussão que o próprio Senhor Jesus teve sobre esse mesmo tema, a ressurreição física dos mortos, quando os saduceus, que não creem na ressurreição, tentaram lhe provar com uma pergunta difícil, dizendo-lhe:

“No mesmo dia chegaram junto dele os saduceus, que dizem não haver ressurreição, e o interrogaram, dizendo: Mestre, Moisés disse: Se morrer alguém, não tendo filhos, casará o seu irmão com a mulher dele, e suscitará descendência a seu irmão. Ora, houve entre nós sete irmãos; e o primeiro, tendo casado, morreu e, não tendo descendência, deixou sua mulher a seu irmão. Da mesma sorte o segundo, e o terceiro, até ao sétimo; por fim, depois de todos, morreu também a mulher. Portanto, na ressurreição, de qual dos sete será a mulher, visto que todos a possuíram? Jesus, porém, respondendo, disse-lhes: Errais, não conhecendo as Escrituras, nem o poder de Deus. Porque na ressurreição nem casam nem são dados em casamento; mas serão como os anjos de Deus no céu” (cf. Mateus 22:23-30)

Aqui obviamente o assunto era a ressurreição física, a qual não era crida pelos saduceus, mas era crida por Jesus. Este, ao invés de responder simplesmente que também não cria em uma ressurreição da carne, lhes refuta, porque não compartilhava da descrença deles. Não há espaço aqui para a crença de que a ressurreição se resume a uma ressurreição espiritual em vida, pois o assunto é a vida após a morte que se consuma na ressurreição, o que fica nítido no versos 28 e 30. Os saduceus não criam nessa ressurreição física para uma outra vida, mas Jesus sim. A resposta de Jesus contradizendo os fariseus foi tão forte ao ponto que “a multidão ficou maravilhada com o seu ensino” (cf. Mt.22:33).

Paulo, da mesma forma que Jesus, foi desafiado por falsos mestres que não criam na ressurreição da carne. Mas, dessa vez, o desafio foi outro: sobre com que tipo de corpo virão. Ele, então, passa a fazer uma analogia apropriada com as sementes (vs. 36-39), que não faria sentido caso não houvesse a ressurreição de um corpo físico, pois, como diz Geisler, “a semente que vai para a terra produz mais sementes da mesma espécie, não sementes imateriais. É nesse sentido que Paulo pôde dizer: não semeias [não fazes morrer] o corpo que há de ser, já que ele é imortal e não pode morrer. O corpo ressuscitado é diferente por ser imortal (1 Co 15:53), não por ser um corpo imaterial[6].

Nem mesmo o verso 44, em que Paulo diz que ressuscitaria um “corpo espiritual”, serve de apoio para as teses gnósticas, visto que por “corpo espiritual” ele não quis dizer “corpo imaterial”, mas sim um corpo sobrenatural. A mesma expressão grega aqui traduzida por “espiritual” (pneumotikos) também é várias vezes usada por Paulo em suas epístolas para se referir a coisas físicas, tais como a “rocha espiritual” (cf. 1Co.10:4) que seguia os israelitas no deserto, que nada mais era senão uma rocha física, produzida de forma sobrenatural – por isso “espiritual”. A Lei de Moisés foi chamada por Paulo de “lei espiritual” (cf. Rm.7:14), embora fosse física, escrita em tábuas, e não imaterial. Paulo também falou sobre o “homem espiritual” (cf. 1Co.2:15), que obviamente não é um homem não-físico, mas alguém dirigido pelo Espírito Santo. Norman Geisler e Thomas Howe acrescentam:

“Um corpo espiritual é um corpo imortal, não um corpo imaterial. Um corpo espiritual é aquele que é dominado pelo espírito, não um corpo desprovido de matéria. A palavra grega pneumatikos (nessa passagem traduzida como espiritual) significa um corpo dirigido pelo espírito, em oposição ao que está sob o domínio da carne. Ele não é governado pela carne que perece, mas pelo espírito que permanece (1 Co 15:50-58). Assim, corpo espiritual não significa corpo imaterial e invisível, mas imortal e imperecível (...) Todo o contexto indica que espiritual (pneumatikos) poderia ser traduzido por sobrenatural em contraste com natural. Isto fica claro pelos paralelos de corruptível e incorruptível, ‘imortal e imortal. Com efeito, esta mesma palavra grega (pneumatikos) é traduzida como sobrenatural em 1 Coríntios 10:4, que fala de uma rocha sobrenatural que os seguia’ no deserto”[7]

Finalmente, Paulo fulmina o gnosticismo nos versos 51 ao 53, dizendo:

“Eis aqui vos digo um mistério: Na verdade, nem todos dormiremos, mas todos seremos transformados; num momento, num abrir e fechar de olhos, ante a última trombeta; porque a trombeta soará, e os mortos ressuscitarão incorruptíveis, e nós seremos transformados. Porque convém que isto que é corruptível se revista da incorruptibilidade, e que isto que é mortal se revista da imortalidade” (cf. 1ª Coríntios 15:51-53)

Como Paulo poderia não crer em uma ressurreição física, se ele cria que os mortos serão transformados em imortais e incorruptíveis num momento, em um abrir e fechar de olhos, e somente na última trombeta, no mesmo momento em que os salvos serão transladados vivos? Se a ressurreição fosse meramente espiritual para cada crente e não existisse uma ressurreição física geral dos mortos no último dia, tal coisa não ocorreria somente ao soar da última trombeta, mas em diferentes épocas ao longo de toda a história da humanidade para cada crente em particular, e não seria um evento único que ligaria os vivos e os mortos por ocasião da parousia.

Além disso, não haveria o contraste entre os mortos e os vivos, pois todos os que espiritualmente ressuscitariam teriam sua ressurreição consumada em vida. E nunca a nossa natureza corruptível seria transformada em uma natureza incorruptível, nem a mortalidade se revestiria de imortalidade, pois sendo essa ressurreição espiritual e ocorrendo em vida quando o pecador se converte ele não se transforma em incorrupto e imortal por causa disso e naquele mesmo momento. Tudo aquilo que Paulo dizia não passaria de uma farsa, um engano, a maior mentira de todos os tempos.

A não ser que Paulo e os demais cressem que, de fato, Cristo ressuscitou fisicamente e que isso garante a nossa própria ressurreição física, pois o que eles tanto pregavam era a ressurreição da carne, e não uma fantasia inventada pelos gnósticos completamente diferente daquilo que Cristo e os apóstolos ensinaram, e que “não é melhor do que a doutrina dos modernistas, ateus ou filósofos gregos, negando a ressurreição por redefinição”[8].

Paz a todos vocês que estão em Cristo.

Por Cristo e por Seu Reino,
Lucas Banzoli (apologiacrista.com)


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[1] SCHWERTLEY, Brian, apud RAYMUNDO, César Francisco. Refutando o preterismo completo. Santa Catarina: 2012, p. 95. Disponível em: <http://www.revistacrista.org/Literaturas/Refutando%20o%20Preterismo%20Completo.pdf>. Acesso em: 21/08/2013.
[2] ibid., pp. 96-97.
[3] ibid., p. 99.
[4] ibid., p. 98.
[5] Léxico da Concordância de Strong, 877.
[6] GEISLER, Norman; HOWE, Thomas. Manual popular de dúvidas, enigmas e 'contradições' da Bíblia. São Paulo: Editora Mundo Cristão, 1999.
[7] ibid.
[8] [8] SCHWERTLEY, Brian, apud RAYMUNDO, César Francisco. Refutando o preterismo completo. Santa Catarina: 2012, p. 97. Disponível em: <http://www.revistacrista.org/Literaturas/Refutando%20o%20Preterismo%20Completo.pdf>. Acesso em: 21/08/2013.
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