Em 2ª Pedro
3:13 temos uma revelação importante que nos ajuda a compreender o caráter da
transformação completa do Universo por ocasião do estabelecimento do Reino de
Deus entre os homens:
“Naquele dia
os céus serão desfeitos pelo fogo, e os elementos se derreterão pelo calor.
Todavia, de acordo com a sua promessa, esperamos
novos céus e nova terra, onde habita a justiça” (cf. 2ª Pedro 3:12,13)
Note que Pedro não diz que
Deus fará novo céu e nova terra, mas novos céus, no plural. Como o
primeiro Céu é a atmosfera do nosso planeta, o segundo Céu é o espaço sideral
onde o sol, a lua e as estrelas estão situados, e o terceiro Céu é a dimensão
espiritual onde Deus habita, a menção a Deus criar novos céus, no plural,
compreende todo o Universo cósmico e todas as dimensões, abrangendo não apenas
a atmosfera terrestre (primeiro Céu), mas tudo (céus, no plural). Isso
fica ainda mais claro quando vemos os léxicos do grego traduzirem essa palavra
utilizada por Pedro da seguinte forma:
3772 ουρανος ouranos
talvez do mesmo que 3735 (da idéia de elevação); céu;
TDNT - 5:497,736; n m
1) espaço
arqueado do firmamento com todas as coisas nele visíveis.
1a) universo,
mundo.
1b) atmosfera
ou firmamento, região onde estão as nuvens e se formam as tempestades, e onde o
trovão e relâmpago são produzidos.
1c) os céus
siderais ou estrelados.
2) região
acima dos céus siderais, a sede da ordem das coisas eternas e consumadamente perfeitas,
onde Deus e outras criaturas celestes habitam.
Perceba a amplitude que essa palavra possui, abrangendo
todo o mundo, o universo, todos os “céus”. Ela abrange tanto o nosso mundo
visível como o invisível, tanto a nossa atmosfera terrestre como também a
região acima dos céus siderais, onde Deus e outras criaturas celestes habitam.
Em outras palavras: tudo! Então, quando Pedro diz que Deus fará novos céus (ouranos) e nova terra, ele não está
dizendo aquilo que a concepção popular acredita a este respeito, de que apenas
a terra e a atmosfera da terra passarão por transformação (se fosse assim, ele
teria empregado a palavra ouranothen, com significado bem mais modesto[1]),
mas se referia a todas as dimensões do Universo.
E quais são as implicações disso?
Muitas, em
todos os sentidos. Em primeiro lugar, porque o próprio Pedro diz na sequencia
que nessa nova criação, com novos céus e nova terra, habitará a justiça (cf.
2Pe.3:13). Não haverá iniquidade nessa nova criação, com ímpios blasfemando
enquanto são atormentados para sempre em um lago de fogo e enxofre real e literal.
João também completa o pensamento de Pedro dizendo que nessa Nova Ordem já não
haverá morte, nem tristeza, nem choro, nem dor, porque essas são coisas da
antiga criação (cf. Ap.21:4). Desta forma, é impensável crer que nessa nova
criação haverá um lago de fogo queimando bilhões de criaturas infieis a Deus,
chorando, tristes, sofrendo horríveis dores, em processo contínuo de morte,
todas essas coisas que batem de frente com aquilo que João diz sobre essa nova
criação de Deus, que se refere a todo o Universo criado e não apenas aos
justos.
Em segundo
lugar, se o lago de fogo é um retrato real e literal de um “inferno” sobre a
terra, então para onde teriam sido levados os perdidos após a transformação
total do Universo? Ora, a descrição dos ímpios como sendo “devorados” pelo fogo
que caiu do Céu (cf. Ap.20:9) vem antes da descrição de novos céus e nova terra
(cf. Ap.21:1), antes da transformação total do Universo. Para os ímpios continuarem
queimando em algum lugar, a Bíblia deveria descrever que esse lago de fogo foi transferido para algum local do Universo
para ali continuar queimando eternamente, até porque na nova terra não haverá
mar (cf. Ap.21:1).
Contudo, não
há nenhuma informação de que tal lago de fogo se transfira para outra parte do
Universo para ali continuar queimando eternamente ou que continue em
funcionamento após a criação de novos céus e de nova terra. A razão para isso é
que eles não vão a lugar algum, porque o lago de fogo é a segunda morte, a morte final e irreversível, e
não um lugar físico literal na superfície da terra.
Em terceiro
lugar, o autor de Hebreus nos disse que a missão de expiatória de Cristo é de “aniquilar o pecado” (cf. Hb.9:26). Mas como isso
pode ser colocado em prática de fato, se para sempre existirão ímpios e
demônios subsistindo eternamente em um lago de fogo, sofrendo e blasfemando
contra Deus? Ora, só é possível aniquilar o pecado se aniquilar os pecadores, pois o pecado não é como um
objeto que se destrói, mas uma ação
que provém de uma pessoa. Portanto,
para aniquilar o pecado, é necessário aniquilar os pecadores. Doutra forma,
para sempre haveria no mundo um “ponto negro” no Universo, onde bilhões de
criaturas dão gritos de angústia e dor, blasfemando contra Deus e o Cordeiro,
se odiando mutuamente e conservando todo tipo de mal em si mesmos. O pecado
nunca seria aniquilado, porque para sempre haveriam pecadores. Como diz Bacchiocchi:
“O propósito do plano de
salvação é, por fim, erradicar a presença de pecado e pecadores deste mundo.
Apenas se os pecadores, Satanás e os anjos maus por fim forem consumidos no
lago de fogo e experimentarem a extinção da segunda morte é que verdadeiramente
podemos dizer que a missão redentora de Cristo foi uma vitória inigualável. O
tormento infindável lançaria uma sombra permanente de trevas sobre a nova
criação”[2]
Na nova criação, não
haverá nem raiz e nem ramo do pecado, nem sequer um único átomo ou parte de um
átomo, de sofrimentos ou de vestígios do pecado em todos os recantos do Universo
restaurado sob a Nova Ordem, durante a eternidade. Essa visão bíblica está
aliada ao quadro de transformação da criação à sua perfeição original, longe do
pecado e de pecadores, enquanto a visão imortalista crê que para sempre haverá
pecado e pecadores, eternizando as blasfêmias e perpetuando o pecado,
semelhante ao quadro atual em que vivemos hoje.
Em quarto
lugar, o apóstolo Paulo disse que “nele [em Deus] vivemos, e nos movemos, e existimos” (cf. At.17:28).
Tendo em vista que nós só existimos em
Deus, é impossível que o lago de fogo se refira não a uma morte real como
cessação de existência, mas meramente como uma morte espiritual como separação
de Deus, pois ninguém pode viver
completamente separado de Deus e continuar existindo. Enquanto estamos
nesta vida, Deus mantém todos em existência, pois para todos ainda há
possibilidade de arrependimento para a vida eterna. Mas qual seria o sentido em
manter bilhões de criaturas em existência se elas já foram condenadas?
Evidentemente, nenhuma. A existência somente em Deus
é uma prova irrefutável de que somente aqueles que estão em Cristo
desfrutarão de uma existência eterna no futuro. Sustentar que os ímpios também
terão uma existência eterna é se contrapor à doutrina bíblica de que somente em
Deus existimos, apenas nEle podemos existir eternamente. Foi por isso que
Cristo disse que ele é “o caminho, a verdade e a vida” (cf. Jo.14:6), porque
não existe vida longe de Deus.
Em quinto lugar, essa nova criação ocorrerá “para que Deus seja tudo e em todos” (cf.
1Co.15:28). Note que a construção da frase está no futuro – para que Deus seja (ele não é ainda!) tudo e em
todos! Por que Deus ainda não é tudo e em todos? Por que isso somente ocorrerá
no futuro, como aponta Paulo neste verso? Porque enquanto existirem ímpios e
pecadores, demônios e homens maus, Deus não pode ser “em todos”, pois Ele não
habita nessas pessoas. Deus habita apenas naqueles que são seus filhos, através
do seu Espírito Santo. Foi por isso que Jesus disse:
“E eu
pedirei ao Pai, e ele lhes dará outro Conselheiro para estar com vocês para
sempre, o Espírito da verdade. O mundo
não pode recebê-lo, porque não o vê nem o conhece. Mas vocês o conhecem,
pois ele vive com vocês e estará em vocês” (cf. João 14:16,17)
Deus não habita nas
pessoas “do mundo” (ímpios), mas habita em nós (Igreja) através do Seu
Espírito. Por essa razão Paulo deixa claro que Deus ainda não é em todos: porque Deus não pode habitar
em ímpios. Enquanto existirem ímpios, Deus não será em todos, mas apenas em
alguns, nos salvos. Futuramente, porém, quando os ímpios e o diabo forem
completamente aniquilados e perderem a existência, Deus será tudo e em todos! Não existindo ímpios, mas
apenas santos, Deus está em todos, sem exceção. Somente quando os ímpios
deixarem de existir Ele será em todos, porque apenas os salvos existirão,
aqueles em quem ele põe o seu Espírito Santo. A evidência de inexistência
futura dos ímpios é incontestável.
E aqui reside um sexto
problema da visão imortalista: na ótica deles, a existência em si não é um
privilégio, nem um dom de Deus, mas algo natural,
pois a alma é imortal e o tormento dos ímpios é eterno. Ao invés de a obtenção
de uma vida eterna ser um dom e um
prêmio, qualquer um vive eternamente, seja no Céu ou no inferno. Não é estar em
Deus que garante a existência, nem caminhar com Cristo que permite viver
eternamente, a única distinção é entre viver eternamente no Céu ou viver
eternamente no inferno, em uma existência contínua e ininterrupta.
A Bíblia, ao contrário,
apresenta o fato de viver para sempre como sendo em si mesmo um dom de Deus, porque
o castigo natural pelo pecado do homem é a morte (cf. Gn.3:19). Assim, ao invés
de a eternidade ser algo natural, o que é natural é a morte como consequencia do pecado. O próprio fato de poder viver
eternamente, então, é um dom de Deus, uma graça divina, um prêmio. É por isso
que em todo o Novo Testamento vemos sempre que o foco era em conseguir a vida
eterna, e não em ir morar no Céu. O contraste não era entre ter uma vida eterna
no Céu e não no inferno, mas entre ter uma vida eterna ou não ter uma vida eterna.
Por fim, ainda que se tentem elaborar argumentos da mais
refinada retórica e tentativas de explicações “lógicas” (muito mais baseadas na
filosofia do que no amor e na justiça de Deus), “não
há como justificar que o Criador irá preservar a vida de bilhões de criaturas
com o único propósito de que vivam pela eternidade sofrendo por erros e faltas
não perdoados, cometidos durante algumas décadas de vida sobre a terra (ou
menos)”[3].
E o professor Azenilto Brito completa: “E há quem ensine
que Deus ‘predestina’ alguns para se salvar, enquanto os que se perderem é por
não terem sido assim ‘escolhidos’! Nasceram
para mais tarde viver eternamente queimando... Não admira a imensa quantidade
de ateus, agnósticos e materialistas que têm povoado este planeta”[4].
Qual a finalidade em deixar queimando eternamente bilhões
e bilhões de criaturas, ainda mais quando já pagaram por aquilo que merecem?
Qual a finalidade em preservar a vida nestes casos, o que também teria como
consequência a não-erradiação do pecado (pois haveria para sempre um “ponto
negro” no inverso, cheio de pessoas blasfemando)? Se já pagaram de acordo com
os seus pecados, então por que não aniquilar de vez com o pecado, mas, ao invés
disso, manter em tormento eterno a alma de alguma pessoa sem qualquer
finalidade em si mesma, em um processo que nem sequer tem um fim? Estariam
“pagando a mais” pelo que? Por que perpetuar ao invés de colocar um fim
completo no pecado e nos pecadores? Como disse Bacchiocchi:
“A intuição
moral que Deus implantou em nossas consciências não pode justificar a
insaciável crueldade de uma divindade que sujeita os pecadores ao tormento eterno.
A justiça divina nunca poderia requerer para
pecadores finitos a infinita penalidade da eterna dor, porque o tormento
infindável não serve a qualquer propósito reformatório, precisamente porque não
tem fim”[5]
Por tudo isso e muito mais, a noção de um inferno de fogo
eterno, que nunca completará sua obra destrutiva, é completamente incompatível
com a noção de que Deus é amor e justiça. Na nova criação, todo o pecado será
completamente aniquilado, quando tudo se fizer novo. Não haverá mais tristeza,
nem choro, nem morte, nem luto, nem dor (cf. Ap.21:4). Se até mesmo quando
alguém querido daqui da terra morre e é sepultado, pensando-se que foi para o
Céu, já há luto, quanto mais sabendo que no exato momento algum familiar seu
está sofrendo e vai sofrer mais ainda para todo o sempre no inferno, sob torturas
colossais! Como não estar de “luto” ou “tristeza” numa circunstância dessas?
Felizmente, a mensagem bíblica é de que apenas os justos herdarão
a imortalidade, pois somente eles desfrutarão da árvore da vida no Paraíso de
Deus:
“No meio da sua praça, e de
um e de outro lado do rio, estava a árvore da vida, que produz doze frutos,
dando seu fruto de mês em mês; e as folhas da árvore são para a saúde das
nações... Bem-aventurados aqueles que guardam os seus mandamentos, para que
tenham direito à árvore da vida, e possam entrar na cidade pelas portas”
(cf. Apocalipse 22:2,14)
A árvore da vida é um símbolo de imortalidade (cf. Gn.3:22),
que só será desfrutada pelos remidos, e após a ressurreição dentre os mortos
(cf. Ap.22:2,14). Neste momento, a árvore da vida, símbolo do dom da
imortalidade, estará disponível aos salvos novamente, que dela comerão, e que
reinarão com Cristo para todo o sempre.
“E Deus limpará de seus olhos toda a lágrima; e não
haverá mais morte, nem pranto, nem clamor, nem dor; porque já as primeiras
coisas são passadas; E o que estava assentado sobre o trono disse: Eis que faço
novas todas as coisas. E disse-me: Escreve; porque estas palavras são verdadeiras
e fiéis” (cf. Apocalipse 21:4,5)
Paz a todos vocês que estão em Cristo.
Por Cristo e por Seu Reino,
Lucas Banzoli (apologiacrista.com)
Extraído de meu livro: “A Lenda da Imortalidade da Alma”
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[1] Essa
palavra significa, de acordo com o léxico da Concordância de Strong, apenas “do
Céu”, mais nada além disso, sem ir além da atmosfera terrestre, e seria a
palavra exata para Pedro usar caso ele cresse que o que apssará por
transformação na Nova Ordem é apenas a terra e a atmosfera terrena, e não todo
o Universo.
[2] BACCHIOCCHI,
Samuele. Imortalidade ou Ressurreição:
Uma abordagem bíblica sobre a natureza e o destino eterno. Unaspress, 1ª
edição, 2007.
[3] BRITO,
Azenilto Guimarães. Um fogo eterno que
não queima para sempre. É possível? Disponível em: <http://www.c-224.com/Aa_FogoEterno.html>.
Acesso em: 30/08/2013.
[4] ibid.
[5] BACCHIOCCHI,
Samuele. Imortalidade ou Ressurreição:
Uma abordagem bíblica sobre a natureza e o destino eterno. Unaspress, 1ª
edição, 2007.
sabemos que ainda existem pessoas que compartilha e divide o pão.
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