Desmistificando a lenda de uma alma imortal

27 de agosto de 2013

A Dormição de Maria e a imortalidade da alma


A “Dormição de Maria” é a crença de que Maria “dormiu” (morreu) e ressuscitou posteriormente, assim como Jesus Cristo, sem ter sofrido a corrupção no túmulo. Ela é crida pela Igreja Católica Ortodoxa, que comemora a morte de Maria e a sua ressurreição de corpo e alma aos céus como a “Festa da Dormição da Mãe de Deus” no dia 15 de Agosto (28 de Agosto no calendário juliano). Essa doutrina que sugeriu a assunção de Maria, embora não haja nenhuma pista de que tenha sido proveniente dos apóstolos, é de origem antiga, pois no quarto século d.C já haviam Pais da Igreja defendendo ou supondo essa ideia. Mas a pergunta principal a se destacar aqui sobre a dormição de Maria é: o que aconteceu com Maria entre a sua morte e assunção?

Como vemos, a Igreja Católica Ortodoxa crê que Maria ressuscitou de corpo e alma, e não se ressuscita algo que não esteja morto. A crença presume que Maria morreu completamente – corpo e alma – e posteriormente passou pela ressurreição, não meramente corporal, mas uma ressurreição de corpo e alma. A Igreja Romana igualmente crê que “Maria foi assunta de corpo e alma à glória celeste”[1]. Se Maria foi assunta de corpo e alma à glória celeste, isso significa que a alma de Maria não estava já no Céu quando ela ressuscitou.

A doutrina, portanto, presume que Maria morreu de corpo e alma e ressuscitou de corpo e alma. A Igreja Ortodoxa declara isso categoricamente, enquanto que a Igreja Romana, embora oficialmente não tenha tido uma declaração em ex cathedra que confirme se Maria morreu ou não, conta com diversas declarações de papas e doutores da Igreja que também criam que Maria passou pela morte. O papa João Paulo II, por exemplo, em sua Audiência Geral de 25 de Junho de 1997, citou São Tomás de Aquino e disse:

“No que diz respeito às causas da morte de Maria, não parecem fundadas as opiniões que querem excluir as causas naturais. Mais importante é investigar a atitude espiritual da Virgem no momento de deixar este mundo. A este propósito, São Francisco de Sales considera que a morte de Maria se produziu como efeito de um ímpeto de amor. Fala de uma morte ‘no amor, por causa do amor e por amor’ e por isso chega a afirmar que a Mãe de Deus morreu de amor por seu filho Jesus (Tratado do Amor de Deus, Liv. 7, cc. XIII-XIV). Qualquer que tenha sido o fato orgânico e biológico que, do ponto de vista físico, tenha produzido a morte de Maria, pode-se dizer que o trânsito desta vida para a outra foi para Maria um amadurecimento da graça na glória, de modo que nunca melhor que nesse caso a morte pode conceber-se como uma ‘dormição’"[2]

Vemos claramente, portanto, o papa João Paulo II em uma audiência geral afirmando que Maria morreu, e citando São Francisco de Sales que cria da mesma forma. O padre Miguel Ángel Fuentes segue essa mesma linha e cita também outro teólogo católico para confirmar a sua posição de que Maria passou realmente pela morte:

Segundo G. Alastruey ('Tratado da Virgem Santíssima', BAC, Madrid 1945, pp. 405 e seguintes), somente para citar um dos mais influentes mariólogos, a verdadeira doutrina (e que deve se ter como teologicamente correta) é que a Virgem Maria verdadeiramente morreu[3]

O mesmo cita também Agostinho, Jerônimo, João Damasceno, André de Creta, João de Tessalônica e Nicolás Cabasilas em apoio da tese de que Maria realmente morreu, de acordo com a tradição tanto grega como latina. Portanto, vemos que a crença crida pela Igreja Católica Romana também é a mesma crença da Igreja Católica Ortodoxa, de que:

 Maria morreu de corpo e alma.

 Maria ressuscitou de corpo e alma.

 Maria foi assunta aos céus de corpo e alma.

Se a alma de Maria já tivesse subido aos céus no momento da morte, então Maria não teria sido assunta “de corpo e alma” como pregam a Igreja Romana e Ortodoxa, mas teria sido assunta somente de corpo, porque a alma supostamente já estaria no Céu. Isso mostra clarissimamente que até a época em que se deu essa tradição não se cria na imortalidade da alma, doutrina esta que ensina que a alma é imortal e parte desta vida imediatamente no momento da morte, e que a ressurreição é somente do corpo. Se os cristãos dos primeiros séculos cressem na imortalidade da alma, teriam ensinado que apenas o corpo de Maria que morreu, que a alma dela subiu ao Céu no momento da morte corporal, e que apenas o corpo ressuscitou e foi assunto ao Paraíso, como creem os imortalistas atuais[4].

A ressurreição de corpo e alma de Maria sugere fortemente que até aquela época a Igreja ainda não havia ensinado errado a doutrina da imortalidade da alma. Para que os mais mariólogos pudessem colocar Maria no Céu, não apelaram para uma “imortalidade da alma”, pois essa doutrina não existia na Igreja, por isso tiveram que sugerir a crença na assunção de Maria, onde tanto o corpo quanto a alma que morreram ressuscitariam e adentrariam os céus. Tempos mais tarde, quando a doutrina da imortalidade da alma ganhou força na Igreja da época, ficou muito mais fácil para os católicos colocarem todos os santos no Céu: bastou ensinar que a alma era imortal.

Desta forma conseguem sustentar até hoje suas crenças na canonização dos santos, intercessão dos santos, oração pelos mortos, purgatório e consulta aos mortos em cima deste sustentáculo da imortalidade da alma, que é a base e fundamento de todas as demais heresias. Os primeiros cristãos não tinham tal crença, tanto é que a palavra “cemitério” veio dos cristãos primitivos. Os romanos chamavam de “necropolis”, que era a cidade dos mortos, mas os cristãos, por crerem diferente dos romanos pagãos que ensinavam a vida no pós-morte, decidiram dar um nome diferente ao local onde colocamos os mortos, chamando-o de “cemitério”, que vem do grego kimitírion, significando “dormitório”.

Por que os cristãos primitivos deram o nome de “dormitório” para o lugar dos mortos, ao invés de manterem o nome de necropolis? Porque, diferentemente dos pagãos que criam que a alma era imortal, eles acreditavam que os mortos estavam realmente “dormindo”[5] até a volta de Jesus e a ressurreição para a vida.

Paz a todos vocês que estão em Cristo.

Por Cristo e por Seu Reino,
Lucas Banzoli (apologiacrista.com)

Extraído de meu livro: “A Lenda da Imortalidade da Alma”


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[1] §966 do Catecismo Católico.
[2] Audiência geral de 25 de Junho de 1997 de João Paulo II. Disponível em: <http://www.vatican.va/holy_father/john_paul_ii/audiences/1997/documents/hf_jp-ii_aud_25061997_po.html>. Acesso em: 21/08/2013.
[3] FUENTES, Miguel Álgel. Él Teólogo Responde. Disponível em: <http://www.exsurgedomini.xpg.com.br/>. Acesso em: 21/08/2013.
[4] Vale destacar que eu não estou aqui defendendo a veracidade da crença na assunção de Maria, mas demonstrando historicamente que, até o período em que tal crença foi proposta, não se criam na imortalidade da alma – e isso independe totalmente se a crença de que Maria foi assunta aos céus é verdadeira ou falsa.
[5] No capítulo 6 deste livro analisaremos o que exatamente os cristãos primitivos queriam dizer quando falavam que os mortos “dormem”.
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2 comentários:

  1. A ausência do "fruto da arvore da vida" é que gera a morte pelo pecado original. O fato de Maria, ter sido feita no passado com plena graça, gerando o Cordeiro Imaculado, sendo ela obviamente também imaculada, não a exclui de tal contexto. Sabemos que Eva teve por castigo a genética modificada após se enganada, Conjecturando, este seja verdadeiramente o fator diferencial de Maria, i.e, uma segunda Eva criada por Deus, porém, distante do fruto, morreu como todos.

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  2. Na verdade existem duas árvores no Éden de Deus:

    A Árvore da Vida;
    A Árvore da Ciência do Bem e do Mal;

    Sendo a segunda a árvore que foi proibida por Deus para que Adão e Eva se alimentassem. A outra ficou restringida após o pecado, guardado por querubins e por uma espada flamejante, agora sendo acessíveis somente na vida eterna pelos salvos.

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