Desmistificando a lenda de uma alma imortal

14 de dezembro de 2012

Deus de vivos, e não de mortos


Uma passagem que tem sido utilizada pela ótica dualista é aquela em que Jesus diz em Lucas 20:38,39 –“Ora, Deus não é Deus de mortos, e, sim, de vivos; porque para ele todos vivem”. Concluem, assim, que os que já morreram estão atualmente vivos em forma de “alma desencarnada” ou “espírito incorpóreo”, conscientes em algum lugar. Infelizmente, bastaria que as pessoas abrissem os olhos para o contexto que entenderiam o que Jesus queria provar com aquilo:  

“E que os mortos hão de ressuscitar, Moisés o indicou no trecho referente à sarça, quando chama ao Senhor o Deus de Abraão, o Deus de Isaque e o Deus de Jacó. Ora, Deus não é Deus de mortos, e, sim,de vivos; porque para ele todos vivem. Então disseram alguns dos escribas: Mestre, respondeste bem. Dai por diante não ousaram mais interrogá-lo” (Lucas 20:37-40)  

Do início ao fim Jesus estava usando tal passagem para provar a ressurreição dos mortos, e não uma imortalidade da alma. O fato é que, pelo contexto, Jesus estava debatendo com uma seita da época, chamada de “saduceus”. Estes saduceus não acreditavam na ressurreição dos mortos:

“Então se aproximaram dele alguns dos saduceus, que dizem não haver ressurreição, e lhe perguntaram...” (Marcos 12:18) 

Então, Jesus, para provar que os mortos hão de ressuscitar, citou o trecho que diz que Deus é o Deus de Isaque, Abraão e Jacó, provando assim que eles ainda seriam ressuscitados; eles não estavam mortos para todo o sempre como acreditavam esses saduceus (que não criam na ressurreição para trazer de novo alguém à existência), porque se fosse assim Deus iria dizer que era o Deus de Abraão, Isaque e Jacó.  

O intuito de Cristo era mostrar para aquele grupo de religiosos que não acreditavam na ressurreição, que essa era um fato que iria acontecer, pois Deus não é um Deus de mortos. Logo, todos os mortos – incluindo Isaque, Abraão e Jacó – seriam ressuscitados, ao contrário do que acreditavam os saduceus, e viveriam com Deus. Do início ao fim a passagem é para provar a ressurreição dos mortos: 

“E que os mortos hão de ressuscitar, Moisés o indicou no trecho referente à sarça, quando chama ao Senhor o Deus de Abraão, o Deus de Isaque e o Deus de Jacó” (Lucas 20:37,38) 

Fica muito mais do que claro que Jesus usou essa passagem para desacreditar aquilo que os saduceus acreditavam, isto é, que os mortos não vão ressuscitar nunca. Se a ressurreição não acontecesse, Deus seria Deus de mortos. O evangelho de Marcos também é revelador para descobrirmos o que Jesus estava querendo dizer com esta passagem: 

“Pois, quando os mortos ressuscitarem, serão como os anjos do Céu, e ninguém casará” (Marcos 12:25) 

“Quando os mortos ressuscitarem”, e não quando uma suposta alma imortal deixa o corpo por ocasião da morte! Veja que Jesus disse claramente, no contexto, que “quando os mortos ressuscitarem”, é isso o que Jesus queria provar. Se a intenção de Cristo fosse provar a imortalidade da alma (algo estranho, pois a pergunta não foi sobre isso, mas sobre a ressurreição), então decerto teria dito: “Quando vocês morrerem... serão como anjos no Céu”, se a alma fosse direto para o Paraíso.  

Contudo, Jesus é claro em dizer: “Quando os mortos ressuscitarem serão como anjos no Céu”. Na verdade, quando os defensores da imortalidade da alma usam esta passagem como suposta “prova” do estado intermediário, eles mal sabem que tudo não passa de um famoso “chute no pé”. 

Além de demonstrar uma lastimável interpretação de texto (sem observar o contexto histórico e a contextualização textual que desmontam por completo com a interpretação deles), a passagem ainda sustém uma grande prova contra o estado intermediário. Por quê? Simplesmente porque Cristo afirma categoricamente que quando os mortos ressuscitarem, serão como os anjos do Céu” (Marcos 12:25).  

Se o espírito dos salvos partisse para o Paraíso logo no momento da morte em um “estado intermediário”, então decerto Cristo teria dito que “quando morrerem... serão como anjos no Céu”. Contudo, é somente na ressurreição que tal fato se concretiza. Ademais, os próprios saduceus (que não acreditavam em nada após a morte e nem em ressurreição) sabiam que o Mestre não acreditava em um “estado intermediário”, por isso perguntam a ele focando no momento da ressurreição, pois é somente neste momento em que os mortos voltam à vida:  

Na ressurreição, de qual deles será ela esposa, pois os sete por esposa a tiveram?” (Marcos 12:23) 

Devemos ressaltar o fato de que neste mesmo contexto, Cristo relata que “não podem mais morrer, pois são como os anjos. São filhos de Deus, visto que são filhos da ressurreição (Lc.20:36). Aqui vemos que os que partem deste mundo tornam-se imortais (“não podem mais morrer”) e tornam-se como os anjos (“são como os anjos”a partir da ressurreição dentre os mortos, como é claramente indicado pelo contexto (vs. 33 e 34) e pelo próprio fim do verso que torna tal afirmação muito evidente ao relatar explicitamente que são “filhos da... ressurreição (v.36).  

Vemos, portanto, que esta passagem, em lugar de favorecer a doutrina da imortalidade da alma, constitui-se exatamente em uma forte confirmação de que a vida eterna e a era vindoura se dará pela ressurreição dos mortos!  

Finalmente – como se tudo isso não fosse suficientemente claro para vermos como os imortalistas deturpam essa passagem bíblica tirando-a do seu contexto – a lógica de Cristo nesta passagem só faria sentido em caso que os mortos estivessem literalmente mortos mesmo (i.e, sem vida) e só ganharão vida a partir da ressurreição. 

Em primeiro lugar, porque se Cristo tivesse provado que os mortos estão atualmente vivos (como os imortalistas interpretam erroneamente o verso 38), então isso – por si só – em absolutamente nada provaria que os mortos iriam ressuscitar, pois Cristo usou aquilo para provar a ressurreição que os saduceus duvidavam (Lc.20:37; Lc.20:33), e tal argumento de Cristo no verso 38 (supostamente de que os mortos já estivessem vivos) não seria nenhuma “prova incontestável” da ressurreição, uma vez que os mortos poderiam viver eternamente em um estado desencarnado (como criam os gregos de sua época) na forma de uma alma imortal. 

Se, contudo, ponderamos que os mortos estão sem vida, vemos que tal afirmação de Cristo (de que Deus não é Deus de mortos) prova totalmente a ressurreição, uma vez que, sem ela, Deus seria Deus de mortos, e que o próprio fato dEle ser Deus de vivos prova que eles sairão deste estado de morte (i.e, sem vida), para necessariamente passar por uma ressurreição, ganhando vida, pois senão Deus seria um Deus de mortos e diria que era o Deus de Abraão, Isaque, e Jacó.  

Então torna-se lógico que tal argumento de Cristo só seria validado caso os mortos estivessem literalmente mortos (i.e, sem vida) para ganharem vida somente a partir da ressurreição, pois somente desta maneira o objetivo de Cristo em provar a ressurreição se concretizaria. Se os mortos já estivessem vivos, tal passagem não provaria a ressurreição, e o argumento seria inútil. Tal pretensão imortalista falha em inúmeros pontos, como vimos: 

(1) O argumento de Cristo para provar a ressurreição somente a provaria efetivamente em caso que os mortos estivessem literalmente mortos (sem vida) como de fato eles estão. 

(2) Cristo não quis de maneira nenhuma provar que os mortos estão vivos, pois o verso 37 diz claramente que ele usou tal argumento para provar “que os mortos hão de ressuscitar”, e não de que eles já estão vivos em algum lugar. 

(3) Os que morrem são filhos “da ressurreição” (v.36), e não da alma imortal, do estado intermediário ou da imortalidade da alma. Eles são considerados “filhos da ressurreição” porque é somente a partir dela que eles ganham vida. 

(4) Nós nos tornaremos semelhantes aos anjos (não no aspecto físico, mas no sentido de que não possa mais se dar em casamento – v.35) quando “os mortos ressuscitarem” (Mc.12:25), e não quando a alma supostamente partiria do corpo rumo a um “estado intermediário” imaginário. 

(5) O saduceus sabiam que Jesus não acreditava no estado intermediário, por isso perguntaram direto se na ressurreição, de qual delas será ela esposa...” (Mc.12:23). Se Jesus cresse no estado intermediário, os saduceus certamente o teriam interrogado sobre este estado, visto que eles também não criam nele. Porém, eles perguntam direto sobre a ressurreição, pois era este o ponto de divergência entre eles e Jesus. O "estado intermediário" não era um ponto de divergência entre eles porque nenhum dos dois acreditavam nisso. Portanto, o debate foi diretamente sobre o tema da ressurreição, onde Cristo e os saduceus criam de maneira diferente.

Vemos, portanto, que quando analisamos o devido contexto, tal passagem não apresenta absolutamente nenhuma – nenhuma mesmo – prova da “imortalidade da alma”, mas constitui-se em uma fortíssima prova contra ela. Basta analisarmos o devido contexto, e deixarmos o texto fluir normalmente, que toda e qualquer pretensão imortalista cai por terra. 

Infelizmente, interpretações semelhantes a essas são tomadas fora de contexto pelos imortalistas aos montões, descontextualizando inúmeras passagens bíblicas para atingir o fim que eles desejam. Poderia ter escrito sobre qualquer outra das deturpações bíblicas (como a parábola do Lázaro, o partir e estar com Cristo, os “espíritos” em prisão e as almas debaixo do altar), mas isso será feito em seu devido tempo. Para ler as respostas a todas essas questões (e muitas outras semelhantes) basta clicar aqui e ler o meu livro sobre o tema. 

Vale ressaltar que o próprio Lutero, o Pai da Reforma, afirmou que essa doutrina da imortalidade incondicional da alma faz parte das “monstruosidades sem fim no monte de estrume dos decretos romanos”: 

“Contudo, eu permito ao Papa estabelecer artigos de fé para si mesmo e para seus próprios fiéis – tais como: que o pão e o vinho são transubstanciados no sacramento; que a essência de Deus não gera nem é gerada; que a alma é a forma substancial do corpo humano; que ele [o papa] é o imperador do mundo e rei dos céus, e deus terreno; que a alma é imortal; e todas estas monstruosidades sem fim no monte de estrume dos decretos romanos – para que tal qual sua fé é, tal seja seu evangelho, e tal a sua igreja, e que os lábios tenham alface apropriada e a tampa possa ser digna da panela" (Martinho Lutero, Assertio Omnium Articulorum M. Lutheri per Bullam Leonis X. Novissimam Damnatorum) 

Ou seja, neste aspecto o protestante que segue essa doutrina está automaticamente seguindo Roma. 

Paz a todos vocês que estão em Cristo. 

Por Cristo e por Seu Reino,
Lucas Banzoli.


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Um comentário:

  1. Exegese perfeita irmão Lucas! Parabéns!

    A passagem acima para justificar a imortalidade da alma é de fato um "tiro no pé" dos seus defensores, porque realmente Deus os considera vivos não porque possuem alma imortal e sim porque eles hão de ressuscitar! E ainda mais que:

    "Como está escrito: “Eu o constituí pai de muitas nações”. Ele é o nosso pai aos olhos de Deus, em quem Abraão depositou sua fé, o Deus que dá vida aos mortos e convoca à existência elementos inexistentes, como se existissem". (Romanos 4:17).

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